Paulo de Tarso Lyra
Brasília – A pouco mais de um mês do início da Copa do Mundo da qual descobriu que seria anfitrião há sete anos, o Brasil tem a nítida sensação de que tudo o que preparou está aquém do que poderia ser feito. A maioria das obras de mobilidade urbana não ficou pronta, os aeroportos estão repletos de operários correndo contra o tempo e há estádios que nem sequer foram inaugurados. Além disso, o país vê o crescimento da onda de violência nas cidades-sede, o que gera temor nas autoridades brasileiras e estrangeiras.
Principal porta de entrada do país para a legião de autoridades estrangeiras, delegações e turistas que assistirão aos jogos, os aeroportos do país continuam devendo no quesito infraestrutura. “À exceção de Brasília, que conseguiu finalizar os trabalhos dentro do cronograma estabelecido, os demais aeroportos passaram por soluções emergenciais”, afirma Gilson Garófalo, especialista no setor de transporte aéreo e professor de economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
O especialista acredita, contudo, que o gargalo nos terminais poderá ser atenuado por alguns fatores. Ao mesmo tempo em que haverá diminuição dos eventos empresariais no país durante a Copa, os voos para alguns desses encontros serão deslocados para aeroportos alternativos, como os de Taubaté e de São José dos Campos, ambos no interior paulista. “A ideia seria manter, nos grandes aeroportos, os voos destinados apenas a turistas que vierem assistir aos jogos”, diz Garófalo.
Além disso, boa parte dos brasileiros comprou ingressos para os jogos da própria cidade. “Teremos um fluxo aéreo menor do que o verificado em períodos de réveillon e carnaval, por exemplo”, prevê Garófalo. Ainda assim, o professor acredita que, em solo, a situação será complicada. O especialista em aviação lembra, por exemplo, que as obras no aeroporto de Guarulhos levaram a um aumento absurdo no tempo de espera para o despacho das bagagens nas esteiras, bem como o reposicionamento da aeronave na pista. “Os problemas estarão em terra.”
Ele lembra que, em Johanesburgo, na África do Sul, foi construído, em 2010, um hotel dentro do aeroporto da cidade para eventuais emergências com passageiros que estivessem em trânsito ou fazendo conexões durante os jogos da Copa. “Em Guarulhos, se isso ocorrer, os turistas terão que ser alocados nos hotéis próximos, que, provavelmente, já estarão lotados.”
PROJETOS NO PAPEL Se há problemas nos aeroportos, o deslocamento de turistas pelas ruas do país também não deverá ser fácil. “Tivemos grandes projetos com capacidade para mudar a realidade dos brasileiros, mas pouca coisa saiu do papel”, lamenta o presidente da Associação Nacional de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha. Em cinco das 12 cidades sedes da Copa, as obras avançaram, segundo Cunha: Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. “Só as duas primeiras tiveram mudanças concretas. As demais, só entregarão as obras após os jogos”, informa Cunha.
Contudo, o presidente da NTU acredita que, mesmo que as obras não fiquem prontas a tempo dos jogos, serão entregues até 2016, quando o Brasil sediará os Jogos Olímpicos no Rio. “Mesmo que tardiamente, a população acabará sendo beneficiada”, diz, acrescentando que existe uma defasagem de pelo menos 4 mil quilômetros em rodovias no país, um problema crônico que se agravou após a extinção da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), em 1991, durante o governo Collor.
Cunha tem outra preocupação concreta: o aumento da violência nas ruas, que tem levado a depredações de ônibus em série. Segundo ele, na última década, foram queimados 755 ônibus em todo o país. Deste total, 270 (38%) foram incendiados apenas nos primeiros cinco meses de 2014. “As seguradoras se recusam a cobrir esses prejuízos, e as empresas levam de quatro a seis meses para repor o veículo destruído”, conta.
Enquanto o humor das ruas representa ameaça real à própria população, o mesmo não se pode dizer das autoridades. Professor de sociologia da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Arthur Trindade acredita que o país não enfrentará dificuldades para cuidar da segurança das delegações estrangeiras, por já ter expertise em outros eventos, como a Rio 92 e a Rio+20. Entretanto, ele não tem dúvidas de que, se as manifestações de rua se intensificarem, a polícia agirá com violência. E aposta em barreiras de segregação social — e mesmo racial — para assegurar a integridade de turistas. “Vamos garantir a segurança da Copa? Vamos. Vamos conseguir isso de uma maneira democrática e inclusiva? Não”, resume.
Trindade lembra o exemplo do Sete de Setembro de 2013, três meses após os confrontos entre manifestantes e policiais ocorridos na Copa das Confederações. “O desfile cívico-militar transcorreu normalmente na Esplanada dos Ministérios, mas quem pretendia protestar contra algo foi impedido de passar pela barreira policial.”