Brasília – Festividades à parte, a Copa do Mundo deve reforçar uma triste realidade no país: a exploração sexual de crianças e adolescentes. Especialistas acreditam que o fluxo de turistas, tanto do exterior quanto nacionais, favorece a prostituição e os abusos. Um estudo do Serviço Social da Indústria (Sesi) Nacional mostrou que, a cada 370 turistas que desembarcaram entre 2008 e 2010 em Salvador – um dos municípios palco de jogos do Mundial –, uma denúncia foi feita ao Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos. Outra pesquisa, da Brunel University, na Inglaterra, alerta para o crescimento desse tipo de ocorrência em grandes eventos.
O estudo, encomendado pelo Sesi Nacional à John Snow Consultoria, foi apresentado em seminário sobre o assunto em Paris, no ano passado, com representantes dos governos brasileiro e francês, além de entidades. A pesquisa avaliou a relação entre as denúncias de exploração de crianças e adolescentes feitas ao Disque 100 com o fluxo de turistas em Salvador e em São Paulo durante 36 meses. O autor do levantamento, Miguel Fontes, explica que as duas cidades foram escolhidas por apresentarem fluxos migratórios diferentes. “São Paulo tem um turismo de negócios, enquanto em Salvador, a motivação é o lazer”, diz o doutor em saúde pública e diretor da John Snow.
O resultado da avaliação é o de que as viagens a lazer contribuem mais para aumento dos abusos do que as de negócios. Enquanto a cada 370 turistas que desembarcavam em Salvador a quantidade de denúncias aumentava, em São Paulo, a variação ocorria a cada grupo de 2.567 estrangeiros. “A gente considera o turismo da Copa como turismo de lazer, e o fluxo migratório vai aumentar muito. Se seguir o padrão da Bahia, pode haver um aumento de abusos. Em contrapartida, há campanhas para coibir esses casos”, afirma Fontes. Para o evento que começa nesta semana, o Ministério do Turismo espera a vinda de 600 mil estrangeiros durante quase um mês de Copa, além de 3,1 milhões de brasileiros que devem viajar entre as 12 cidades sedes. O perfil dos turistas esperado é o mesmo que foi à Copa na África do Sul. De acordo com o ministério, eles eram, na maioria, homens solteiros, com renda e escolaridade altas.
O estudo da universidade inglesa de Brunel – outra pesquisa que trata do tema – ressalta que os abusos estão por trás de problemas sociais, como pobreza e violência doméstica, por exemplo, possivelmente agravada no período. “Uma atenção significativa tem sido dada à suposta conexão entre esses eventos e a limpeza forçada nas ruas, o tráfico de pessoas e a prostituição, em geral”, diz o resumo da pesquisa. A conclusão é a de que há riscos para as crianças em torno dos eventos, mas não é possível definir a extensão dos danos. No entanto, não se deve supor “que a ausência de dados signifique a ausência de problemas”. A remoção forçada de pessoas e a limpeza das ruas ajudam a colocar as pessoas em situação de vulnerabilidade. Férias escolares prolongadas também são citadas como fatores que podem aumentar a situação de vulnerabilidade das crianças.
Para Anna Flora Werneck, coordenadora de programas da Childhood Brasil, organização não governamental (ONG) que divulgou a pesquisa de Brunel, o Mundial, como qualquer grande evento, acarreta uma série de fatores que aumentam o risco de exploração sexual. “A Copa favorece os casos, mas é preciso ressaltar que a exploração sexual é um problema sério no Brasil. O evento cria um ambiente de maior vulnerabilidade.” Anna lembra que existem ações preventivas, mas é preciso fortalecer os sistemas de garantia de direitos no Brasil e estimular as denúncias. Uma série de reportagens do Estado de Minas publicada em abril, por exemplo, mostrou diversos casos de abusos sexuais de crianças e adolescentes nos portos de algumas das cidades sedes, como Manaus.
Campanhas De olho na possibilidade de aumento de casos durante a Copa, foi lançada uma série de campanhas governamentais e de outras organizações para alertar que a exploração é crime e estimular as pessoas a denunciarem. A Secretaria de Direitos Humanos afirmou, em nota, que tem buscado fortalecer os Conselhos Tutelares e que repassou equipamentos em 2013, priorizando as cidades sedes. A pasta também afirma que uma série de ações está funcionando “nas regiões impactadas pelas grandes obras e grandes eventos, com a participação de governo, sociedade civil organizada, organizações de cooperação internacional e de responsabilidade social.”
A secretaria ainda informou estar ampliando a campanha “Não desvie o olhar”, que tem como slogan “Fique atento. Denuncie. Proteja nossas crianças e adolescentes da violência.” A iniciativa tem sido veiculada "em diversos materiais impressos e de mídia, rádio, televisão, em três idiomas". Segundo Miguel Fontes, a ONG ECPAT France veicula a campanha na Europa como forma de alertar os turistas sobre a questão antes da viagem ao Brasil.
Norte-americano deportado no Rio
Um cidadão norte-americano condenado por ter molestado um menor de 16 anos foi impedido de entrar no Brasil e deportado, segundo o Ministério da Justiça. O caso aconteceu ontem no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. O órgão, que não informou o nome do passageiro, disse se tratar do primeiro caso em que foi aplicada uma portaria que impede estrangeiros envolvidos em crimes de exploração sexual de menores a entrar no Brasil. A Portaria 876/2014 foi assinada no dia 23 de maio e determina que viajantes apontados na lista de pedófilos da Interpol ou com suspeitas levantadas pela polícia poderão ser barrados ao tentar entrar no país, mesmo que não tenham sido condenados. A regra permite barrar tanto pessoas envolvidas em atos de abuso físico quanto acusados de difundir pornografia que contenha imagens de menores de idade.