Um abastecimento de água regular e de qualidade ainda é uma realidade distante para 77 milhões de brasileiros, uma população equivalente a todos os habitantes da Alemanha. O alerta é da Organização das Nações Unidas (ONU), que ainda aponta que 60% da população - 114 milhões de pessoas - "não tem uma solução sanitária apropriada". Os dados ainda revelam que 8 milhões de brasileiros ainda precisam fazer suas necessidades ao ar livre todos os dias.
O informe que traz esses dados foi preparado pela relatora da ONU, Catarina de Albuquerque, que não hesita em alertar que o crescimento econômico dos últimos anos ainda não se traduziu em uma melhora em termos de acesso à água no País.
Internamente, a ONU considerou que o veto tinha uma relação direta com os protestos que, em 2013, marcaram as cidades brasileiras. A viagem só aconteceria em dezembro de 2013, o que impediria que o informe produzido fosse apresentado aos demais governos da ONU e à sociedade civil antes da Copa do Mundo.
Agora, o raio X reflete uma crise que vive o País no que se refere ao acesso à água e saneamento. "Milhões de pessoas continuam e viver em ambientes insalubres, sem acesso à água e saneamento", indicou o informe, apontando que o maior problema estaria nas favelas e nas zonas rurais.
Albuquerque deixa claro que o crescimento da economia brasileira nos últimos anos não foi traduzida em ganhos nesse setor. "Nos últimos anos, o Brasil experimentou um desenvolvimento significativo, com crescimento econômico e uma melhoria dos indicadores sociais. Mas esses ganhos ainda não foram refletidos nos serviços de água e saneamento", alertou.
Segundo a ONU, o baixo investimento em saneamento no Brasil está tendo "custos elevados para a saúde público". Em apenas um ano, 400 mil pessoas teriam sido internadas no país por diarreia, com um custo para o Serviço Único de Saúde (SUS) de R$ 140 milhões. O informe aponta que, para cada dólar que fosse investido em saneamento no Brasil, o retorno seria de US$ 5 em custos evitados e ganhos de produtividade.
As diferenças regionais são profundos. No Norte, 31% da população ainda vive "sem um fornecimento adequado de água". No Nordeste, essa taxa chega a 21,5%. Um dos aspectos mais graves, segundo a entidade, é a "privação de água e saneamento" nas favelas. "O direito à água não pode ser negado a ninguém com base no status legal de sua moradia", alertou a relatora. Para ele, nem o governo e nem os provedores dos serviços tem o direito de negar o abastecimento.
Teto
O abastecimento também tem uma relação direta com a renda dos habitantes de uma região. "Em locais onde a população ganha um quarto de um salário mínimo, o déficit de água é de 35%", indicou a ONU. Em locais onde a renda é de cinco salários mínimos, 95% da população tem acesso adequada ao abastecimento de água."O Brasil tem ainda um longo caminho para garantir acesso universal a esse direito (abastecimento de água)", afirmou a ONU.
Para contornar esse problema, a ONU sugere um teto para o preço da água e alerta que os padrões internacionais apontam que o abastecimento não pode representar mais que 5% do orçamento de uma família. Em sua visita ao Brasil, porém, Albuquerque relatou que chegou a encontrar famílias que chegavam a gastar 25% de sua renda com os serviços de água e saneamento.
"A relatora considera que é urgente uma determinação vinculante, no nível federal, de um porcentual máximo do orçamento de uma família para pagar pelo abastecimento de água e saneamento", indicou o informe.
A ONU ainda alerta que o governo federal precisa rever seus objetivos. Segundo o levantamento, o Plano Nacional de Saneamento não atende os mais necessitados. A meta do programa é de atender 99% da população com o abastecimento de água até o ano de 2033. "O Plano não tem como meta uma cobertura universal, deixando 1% da população sem acesso à água e 8% sem saneamento", alertou. "Isso vai provavelmente levar à exclusão dos mais pobres e mais vulneráveis."
Entre as recomendações, a ONU pede que o Brasil faça uma emenda à Constituição para tornar o direito à água em uma garantia constitucional. Outra proposta é de que empresas que fazem o abastecimento usem parte de seus ganhos nas bolsas para ampliar sua rede de serviços.