Com Thaís Cieglinski
A cada dia, pelo menos uma pessoa procura uma delegacia do Distrito Federal para denunciar casos de racismo ou de injúria racial. Nos primeiros 50 dias do ano, foram 65 registros. A média é de 1,3 a cada 24 horas. O número apresenta crescimento proporcional quando comparado aos anos anteriores. Em 2013, houve 434 ocorrências, ou 1,2 relato por dia, com a maior quantidade de casos no Plano Piloto. Em 2012, o número total alcançou 303, com destaque para Ceilândia.
Por causa dos seguidos aumentos, a Polícia Civil do DF criou, no início do ano, a Coordenação de Atendimento aos Grupos Vulneráveis. Por enquanto, o núcleo funciona internamente e participa de reuniões com o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), com o Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) e com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepir). Mas a ideia é que o grupo comece a atender diretamente as vítimas de preconceito.
Coordenadora do atendimento, a delegada Sandra Gomes Melo ressalta que a Polícia Civil do DF tem se preparado para trabalhar e atender melhor essas ocorrências. A recomendação é de que as vítimas continuem procurando as delegacias regionais, até que o espaço esteja completamente estruturado. “Temos uma preocupação com esses grupos vulneráveis. É um crime que precisa ser realmente muito exposto. A população precisa estar esclarecida porque ainda é um tabu”, argumenta Sandra.
No avião
A história da cantora brasiliense Kris Maciel, 36 anos, se confunde facilmente com uma cena fictícia de novela. Depois de se apresentar com a banda dela em São Luís, no Maranhão, Kris embarcou em um avião com destino a Brasília. Antes mesmo dos avisos de decolagem, a cantora foi surpreendida por uma passageira que estava sentada ao seu lado. A mulher disse à comissária que não ficaria ao lado de uma negra. “Fiquei com vergonha, constrangida e quieta, no meu lugar”, contou.
O caso aconteceu em 2008, mas os constrangimentos não ficaram no passado. Há dois meses, Kris foi novamente vítima de preconceito. Depois de uma discussão de trânsito, foi xingada: “Negra safada. Foi disso que ela me xingou. Expôs-me e ainda chamou a polícia dizendo que estava sendo assaltada, que o carro dela estava sendo roubado”. Diferentemente de cinco anos atrás, quando deixou a situação de lado, Kris deu encaminhamento ao caso na delegacia e na Justiça. “Não tenho vergonha de ser negra e não me sinto diferente de ninguém”, afirma.
Para o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e especialista em discriminação racial Carlos Alberto Santos de Paulo, é preciso pensar no problema de forma ampla, com iniciativas que, de fato, façam a diferença. Como iniciativa, ele e outros professores da Universidade de Brasília (UnB) discutem o assunto. A primeira ação foi criar um projeto para colher assinaturas e criar, a partir disso, um fundo de orçamento para políticas contra o racismo.
“Precisamos mudar todas as estruturas da sociedade. E isso passa pela capacitação adequada das pessoas para combater, inclusive, o racismo institucional. Ainda hoje, as empresas, os órgãos e as instituições estão impregnados pelo modelo baseado na escravidão”, reclama Carlos. Segundo o especialista, a exposição dos fatos é fundamental para garantir a equidade. “Temos uma civilização que está se deparando com uma população sofisticadamente racista. E não sustenta isso. Como cidadão negro, tenho vergonha de não ter instrumentos para que a população brasileira assuma que tudo isso pode ser diferente”, conclui.