A crise hídrica sem precedentes em São Paulo fez surgir nos bairros da periferia o típico "xerife da água", aquele morador sempre disposto a dar bronca em quem lava a calçada ou o carro. Em algumas regiões onde o desabastecimento já é realidade, até adolescentes e idosos se mobilizam na patrulha contra o desperdício. Não raro, discussões entre vizinhos por causa de gastos com água têm ocorrido sob forte clima tenso, com ameaças e xingamentos.
Para a população das áreas mais pobres da cidade, os cortes recentes indicam que a água pode acabar de vez. Com temperaturas superiores a 30°C e ar quase irrespirável, bairros mais distantes do centro ficaram sem água durante o período noturno, entre sábado e quinta-feira. A Companhia do Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) argumenta que os problemas ocorreram de forma pontual, por causa de trabalhos de manutenção na rede.
As famílias, porém, que enfrentam períodos sem água há mais de três semanas, foram tomadas por uma aflição geral. Em lugares como o Parque Cocaia, no extremo da zona sul, moradores, com auxílio de comerciantes e lideranças comunitárias, criaram até um "código moral" para o uso do recurso. Eles avaliam que agora ninguém mais tem direito a desperdiçar "nenhuma gota".
Jovens passam o dia circulando de motos pelas vielas estreitas do bairro, chamando a atenção de quem é flagrado lavando calçada ou veículo. O Estado rodou 312 quilômetros, por 19 bairros, e constatou que cenas de desperdício viraram raridade. "Já deu para o pessoal perceber que acabou a água, não dá mais para ficar dando banho no cachorro todo dia", diz o pedreiro Juvenal Gomes, de 49 anos, morador no Cocaia há duas décadas.