Jornal Estado de Minas

Protocolo quer evitar que crianças sofram ao falar sobre traumas

Agência Brasil
A adoção de um protocolo de procedimento destinado a evitar que crianças e adolescentes revivam momentos de abusos sexual é desafio a ser enfrentado pelos órgãos da infância e do Judiciário brasileiro, segundo concluíram profissionais do setor, reunidos em seminário organizado no auditório do Gabinete de Desembargadores (GADE), no centro de São Paulo.

O evento foi organizado esta semana pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em parceria com organizações não governamentais.
De acordo com a secretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Angélica Goulart, já existe um grupo de trabalho com representação da sociedade civil para elaborar um protocolo brasileiro desse atendimento. “O Conanda está produzindo, por meio do Conselho Federal de Psicologia e de Serviço Social, uma resolução que trata do atendimento de crianças em qualquer escuta em todo tipo de atendimento. estão sendo trazidas para alimentar o grupo de trabalho”, informou.

Perguntas e linguagem inadequadas à faixa etária, exigência de que a vítima preste diversos depoimentos, exposição ao agressor são exemplos de situações que podem resultar em novos traumas às crianças e aos adolescentes, disse o gerente de programas da Childhood (organização não governamental), Itamar Gonçalves.

Com o propósito de avançar na construção de um protocolo de acolhimento dessas denúncias, a entidade formulou um guia que indica que procedimentos devem ser adotados para garantir a proteção das crianças e jovens.

“Mais do que um espaço acolhedor, ter um profissional qualificado para conduzir a entrevista. Temos um desafio no Brasil: criar um modelo de escuta protegida para crianças e adolescentes”, acrescentou Itamar Gonçalves.

Documento da entidade informa que o Brasil tem cerca de 100 salas de depoimento especial, mas o atendimento não segue um padrão adequado para o atendimento de crianças e adolescente. A entidade montou projetos pilotos para testar um modelo de protocolo, no Rio Grande do Sul, em São Paulo e em Pernambuco. Ele é inspirado no modelo norte-americano, que reúne todos os profissionais no mesmo espaço, atuando de forma multidisciplinar.

Gonçalves destaca que o acompanhamento da vítima deve ocorrer antes e depois do depoimento. “A criança entra no sistema e vai ser cuidada o tempo todo.
O horário de escola dela tem que ser respeitado. Ela tem que saber o que é uma audiência, onde ela está, onde está quem cometeu o crime”, disse. Ele lembra que o pano de fundo desse processo deve ser a proteção da criança e não somente a responsabilização do adulto.

“ vai falar de uma intimidade, de uma situação muito difícil, para pessoas que não têm a mínima identificação. Às vezes, isso ocorre na frente de quem cometeu o ato e com perguntas que não estão no cotidiano dela”, relatou.

O desembargador Antonio Carlos Malheiros, consultor da Coordenadoria da Infância e Juventude do TJSP, disse que depoimentos feitos por profissionais despreparados podem prejudicar o andamento da apuração. “A criança já está mortificada. Uma pergunta inadequada abre completamente a ferida. Se não souber tudo estragado: é preciso ser treinado”.

A formulação de uma política pública para a escuta de crianças e adolescentes, no entanto, é alvo de questionamentos por entidade representativa de psicólogos e assistentes sociais que atuam no TJSP. Para Elisabete Borgiani, presidente da associação representantes das duas categorias no tribunal, o ideal seria mudar a legislação para que crianças e adolescentes não tivessem a obrigatoriedade de prestar depoimentos. “Uma criança que foi vítima de um trauma, às vezes, demora para conseguir expressar . Para um psicólogo, o silêncio dela em sessão de escuta é mais significativa do que a fala”, disse. Ela disse que não é possível fazer a criança a falar da violência sofrida sem que haja sofrimento.

De acordo com Borgiani, a criação das salas de depoimento especial colocou os profissionais em uma condição em que é preciso levar a vítima a falar. “Existem situação em que a criança é inquirida por quatro horas”, relatou. No entanto, ela acredita que a memória traumatizada da vítima de abuso sexual não deveria ser usada como elemento para incriminar alguém.
“Essa memória não é confiável, é fragmentada”, disse. O gerente de programas da Childhood, por outro lado, avalia que é preciso garantir o direito à fala de crianças e adolescentes..