A Anistia Internacional começou neste domingo, dia 9, a recolher assinaturas para um manifesto contra o alto índice de homicídios de jovens negros no Brasil, onde 30 mil pessoas entre 15 e 29 anos são mortas por ano. Desse total, 77% são negros e 93% homens, apontam dados do Mapa da Violência 2014. Lançada com festa no Aterro do Flamengo, na zona Sul do Rio, a campanha "Jovem Negro Vivo" quer dar visibilidade às estatísticas e quebrar a indiferença da sociedade em relação a essas mortes.
"Queremos provocar a sociedade para sair desse pacto de silêncio e indiferença. Outro lado é pressionar as diferentes instâncias do poder público a promover políticas que ajudem na reversão desse quadro que se agrava a cada ano. Não é um desafio simples, porque requer uma combinação de políticas de várias esferas como segurança pública, educação, trabalho e renda", afirma o diretor executivo da Anistia Internacional, Átila Roque.
A Anistia Internacional enxerga a campanha como um projeto de longo prazo e pretende aprofundar as pesquisas sobre o tema. Em junho do ano que vem, a entidade lançará um primeiro relatório onde traçará um diagnóstico sobre a lógica por trás dessas mortes. A análise levará em conta especialmente o modo de atuação do sistema judiciário e da polícia. Uma terceira etapa da campanha terá como foco cobrar a investigação e punição de casos individuais de homicídio, como o do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, morto a tiros em abril na favela carioca Pavão-Pavãozinho.
Embora existam algumas iniciativas de governo para combater o homicídio de jovens, a Anistia considera que elas ainda são tímidas e não têm escala para atender a população. Na visão de Roque, para serem de fato efetivas as políticas públicas precisam ocorrer de forma integrada entre os governos federal, estadual e municipal. Ele faz um paralelo com a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, liderada pelo sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, embrião de programas como o Fome Zero e o Bolsa Família.
"Na década de 90 o Brasil foi capaz de reconhecer na fome um tema central. A sociedade se mobilizou e isso resultou na criação de políticas como o Bolsa Família e trouxe resultados: o Brasil saiu do mapa mundial da fome. A gente quer tirar também o País do mapa dos homicídios de jovens, em particular negros", diz Roque.
Os dados do Mapa da Violência 2014 são alarmantes: de 56 mil homicídios registrados no Brasil em 2012, último levantamento disponível, 50% das vítimas foram jovens. A maioria dos assassinatos é praticada com arma de fogo e menos de 8% dos casos chegam a ser julgados. Apesar das melhorias sociais, da redução da pobreza e da desigualdade, nos últimos dez anos a quantidade de jovens negros mortos cresceu 32,4%, enquanto a de brancos caiu 32,3%. Em 2007 o total de vítimas de homicídio no Brasil (47.707) superava os das guerras do Iraque (6.500) e Afeganistão (23.765) somadas.
A jovem negra Andreza Clemente, de 18 anos, esteve no Aterro para o lançamento da campanha. "É importante para a sociedade enxergar a violência contra esses jovens. As pessoas acham que é normal pelo fato de a maioria dos negros serem pobres e favelados. É como se tivessem culpa", diz.
Já Maria de Fátima dos Santos Silva, de 55 anos, perdeu o filho Hugo Leonardo dos Santos Silva, de 33 anos, baleado pela polícia em abril de 2012. "A sociedade é indiferente, mas é preciso acabar com a matança de quem é preto e pobre", diz Fátima, que se uniu a outras mães de jovens mortos no evento.
Para atrair os cariocas, a Anistia Internacional organizou uma programação com funk, rap, batalhas de passinho e competições de skate. Há ainda uma exposição interativa com "manequins invisíveis", criada pelo artista Humberto de Castro, que retrata os jovens que tiveram suas histórias de vida interrompidas ao serem vítimas de homicídio. O evento vai até as 16 horas deste domingo, dia 9.