O Brasil pode ter em breve dois importantes instrumentos para combater os crimes de ódio e intolerância, movidos por preconceito e discriminação contra determinado grupo de pessoas, como gays, nordestinos, negros, moradores de rua e imigrantes, vítimas mais comuns desse tipo de agressão. Além de um projeto de lei (PL 7.582/14) em tramitação na Câmara dos Deputados que define esses crimes e estabelece penas para quem praticá-los, o Congresso Nacional pode ratificar a Convenção Interamericana Contra toda Forma de Discriminação e Intolerância, aprovada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e assinada pelo Brasil em outubro, para que ela entre em vigor. O texto ainda não foi enviado ao Parlamento pelo governo federal. A expectativa é de que isso ocorra no ano que vem, logo após a posse da nova legislatura, em fevereiro.
Uma das justificativas da OEA para o tratado, expresso no texto que deve ser enviado ao Congresso, é “o aumento dos crimes de ódio motivados por raça, cor, ascendência e origem nacional ou étnica”. O assunto preocupa o governo e também instituições como o Ministério Público Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em função da escalada de violência contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) e da onda de preconceito contra nordestinos – iniciada depois da eleição presidencial, quando a presidente Dilma Rousseff foi reeleita com votação expressiva em todos os estados da região.
De acordo com a organização não governamental SaferNet, que atua no combate a violações dos direitos humanos na web, no dia da divulgação do resultado das eleições foram denunciadas 305 páginas nas redes sociais por discriminação contra os nordestinos. Um aumento de 662,5% na comparação com o mesmo período do ano passado. Os números apontam também crescimento de 342,03% em relação ao primeiro turno da disputa eleitoral, quando 69 novas páginas criadas para disseminar o ódio contra os moradores dessa região foram denunciadas. No Brasil, a Lei do Racismo já pune crimes como esse – inclusive é a base para as investigações abertas pela Polícia Federal para apurar as recentes ofensas contra nordestinos –, mas ela não contempla todos os grupos vítimas de preconceito.
O presidente da Associação de Juristas do Rio Grande do Sul (Ajuris), juiz Eugênio Couto Terra, disse que essa convenção é fundamental para trazer para o ordenamento jurídico brasileiro instrumentos mais eficazes para o combate a esse tipo de intolerância. “A diminuição da intolerância e da discriminação fortalece a democracia”. Além dela, o governo também assinou convenção contra todas as formas de racismo. Para o juiz, essa é uma luta de toda a sociedade. A intenção da associação, segundo ele, é desencadear uma campanha para sensibilizar o governo e o Congresso para que os dois textos sejam aprovados e possam começar a valer. O tratado contra todos os tipos de discriminação, segundo ele, cria, de forma pioneira, um alinhamento e ordenamento jurídico para crimes de intolerância e provocados por ódio, e obriga os países signatários a criar políticas contra esses crimes.
Vulneráveis O PL 7.582/2014, de autoria da ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos Maria do Rosário (PT-RS), amplia para 11 categorias os grupos vulneráveis aos crimes de ódio, entre eles em função da classe e origem social, condição de migrante, refugiado ou deslocado interno, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idade, religião, situação de rua e deficiência. Quem agredir, matar ou violar a integridade de uma pessoa baseado nesses tipos de preconceito pode ser condenado a até seis anos de detenção. Esse projeto vai ser também uma alternativa ao PLC 122, que criminaliza a homofobia, em tramitação desde 2006 sem sucesso no Senado, por causa da resistência da bancada evangélica.
O projeto já recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça, mas ainda não foi votado. De acordo com o relator, deputado Luiz Couto (PT-BA), os grupos em situação de maior vulnerabilidade merecem uma proteção específica, como já ocorreu com os negros na Lei do Racismo e as mulheres na Lei Maria da Penha. A proposta vai fazer parte de um pacote de prioridades do próximo governo Dilma Rousseff, que prometeu durante a campanha empenho na aprovação de leis de combate à homofobia. A expectativa é de que essa proposta, por ser mais abrangente, enfrente menos resistência da bancada religiosa, até por criminalizar qualquer tipo de violência baseada em preconceito religioso.
“Há lacunas legislativas que não podem ser toleradas, pois ignoram a necessidade de proteção de alguns grupos que sofrem de forma direta e constante agressões e violações de direitos humanos”, defende a autora da proposta.
O que diz a lei
Projeto de Lei 7.582/14 que define crimes de ódio e intolerância:
Art. 3º Constitui crime de ódio a ofensa à vida, à integridade corporal, ou à saúde de qualquer pessoa motivada por preconceito ou discriminação em razão de classe e origem social, condição de migrante, refugiado ou deslocado interno, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idade, religião, situação de rua e deficiência
Pena: A prática de crime de ódio constitui agravante para o crime principal, aumentando-se a pena deste de um sexto até a metade
Art.4 º Constituem crimes de intolerância, quando não configuram crime mais graves, violência psicológica, negar emprego ou promoção sem justificativa legal; negar acesso a determinados locais ou serviços, negar o direito de expressão cultural ou de orientação de gênero; e negar direitos legais ou criar proibições que não são aplicadas para outras pessoas em função de preconceito ou discriminação.
Pena: um a seis anos de prisão, além de multa
Alguns crimes de ódio que chocaram o país
Em setembro deste ano, um jovem gay de apenas 18 anos, João Donati, foi assassinado com requintes de violência em Inhumas, interior de Goiás. Seu corpo foi encontrado em um lote vago com marcas de violência e espancamento e com pedaços de papel e saco plástico na boca. Em nota, divulgada à epoca, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República lamentou o crime e tachou o caso de uma “bárbara agressão contra a livre orientação sexual, além de desrespeito aos direitos humanos”.
Em abril de 2013, a foto nas redes sociais de um neonazista enforcando com uma corrente um morador de rua de Belo Horizonte causou revolta em todo o Brasil. Pouco tempo depois, ele foi preso, acusado de agredir outros moradores e também negros e de fazer apologia ao nazismo em páginas na internet.
Em novembro de 2011, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu uma escola municipal em Realengo, no Rio de Janeiro, e fez vários disparos, matando 10meninas entre 12 e 14 anos, e dois meninos. Nos depoimentos, as testemunhas relatam que ele atirava na cabeça das meninas e nos garotos nos braços e pernas, apenas para machucar.
Em abril de 1997, cinco rapazes de classe média de Brasília atearam fogo no índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul, região nobre da capital Federal. Galdino não resistiu aos ferimentos e morreu.
Uma das justificativas da OEA para o tratado, expresso no texto que deve ser enviado ao Congresso, é “o aumento dos crimes de ódio motivados por raça, cor, ascendência e origem nacional ou étnica”. O assunto preocupa o governo e também instituições como o Ministério Público Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em função da escalada de violência contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) e da onda de preconceito contra nordestinos – iniciada depois da eleição presidencial, quando a presidente Dilma Rousseff foi reeleita com votação expressiva em todos os estados da região.
De acordo com a organização não governamental SaferNet, que atua no combate a violações dos direitos humanos na web, no dia da divulgação do resultado das eleições foram denunciadas 305 páginas nas redes sociais por discriminação contra os nordestinos. Um aumento de 662,5% na comparação com o mesmo período do ano passado. Os números apontam também crescimento de 342,03% em relação ao primeiro turno da disputa eleitoral, quando 69 novas páginas criadas para disseminar o ódio contra os moradores dessa região foram denunciadas. No Brasil, a Lei do Racismo já pune crimes como esse – inclusive é a base para as investigações abertas pela Polícia Federal para apurar as recentes ofensas contra nordestinos –, mas ela não contempla todos os grupos vítimas de preconceito.
O presidente da Associação de Juristas do Rio Grande do Sul (Ajuris), juiz Eugênio Couto Terra, disse que essa convenção é fundamental para trazer para o ordenamento jurídico brasileiro instrumentos mais eficazes para o combate a esse tipo de intolerância. “A diminuição da intolerância e da discriminação fortalece a democracia”. Além dela, o governo também assinou convenção contra todas as formas de racismo. Para o juiz, essa é uma luta de toda a sociedade. A intenção da associação, segundo ele, é desencadear uma campanha para sensibilizar o governo e o Congresso para que os dois textos sejam aprovados e possam começar a valer. O tratado contra todos os tipos de discriminação, segundo ele, cria, de forma pioneira, um alinhamento e ordenamento jurídico para crimes de intolerância e provocados por ódio, e obriga os países signatários a criar políticas contra esses crimes.
Vulneráveis O PL 7.582/2014, de autoria da ex-ministra da Secretaria de Direitos Humanos Maria do Rosário (PT-RS), amplia para 11 categorias os grupos vulneráveis aos crimes de ódio, entre eles em função da classe e origem social, condição de migrante, refugiado ou deslocado interno, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idade, religião, situação de rua e deficiência. Quem agredir, matar ou violar a integridade de uma pessoa baseado nesses tipos de preconceito pode ser condenado a até seis anos de detenção. Esse projeto vai ser também uma alternativa ao PLC 122, que criminaliza a homofobia, em tramitação desde 2006 sem sucesso no Senado, por causa da resistência da bancada evangélica.
O projeto já recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça, mas ainda não foi votado. De acordo com o relator, deputado Luiz Couto (PT-BA), os grupos em situação de maior vulnerabilidade merecem uma proteção específica, como já ocorreu com os negros na Lei do Racismo e as mulheres na Lei Maria da Penha. A proposta vai fazer parte de um pacote de prioridades do próximo governo Dilma Rousseff, que prometeu durante a campanha empenho na aprovação de leis de combate à homofobia. A expectativa é de que essa proposta, por ser mais abrangente, enfrente menos resistência da bancada religiosa, até por criminalizar qualquer tipo de violência baseada em preconceito religioso.
“Há lacunas legislativas que não podem ser toleradas, pois ignoram a necessidade de proteção de alguns grupos que sofrem de forma direta e constante agressões e violações de direitos humanos”, defende a autora da proposta.
O que diz a lei
Projeto de Lei 7.582/14 que define crimes de ódio e intolerância:
Art. 3º Constitui crime de ódio a ofensa à vida, à integridade corporal, ou à saúde de qualquer pessoa motivada por preconceito ou discriminação em razão de classe e origem social, condição de migrante, refugiado ou deslocado interno, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idade, religião, situação de rua e deficiência
Pena: A prática de crime de ódio constitui agravante para o crime principal, aumentando-se a pena deste de um sexto até a metade
Art.4 º Constituem crimes de intolerância, quando não configuram crime mais graves, violência psicológica, negar emprego ou promoção sem justificativa legal; negar acesso a determinados locais ou serviços, negar o direito de expressão cultural ou de orientação de gênero; e negar direitos legais ou criar proibições que não são aplicadas para outras pessoas em função de preconceito ou discriminação.
Pena: um a seis anos de prisão, além de multa
Alguns crimes de ódio que chocaram o país
Em setembro deste ano, um jovem gay de apenas 18 anos, João Donati, foi assassinado com requintes de violência em Inhumas, interior de Goiás. Seu corpo foi encontrado em um lote vago com marcas de violência e espancamento e com pedaços de papel e saco plástico na boca. Em nota, divulgada à epoca, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República lamentou o crime e tachou o caso de uma “bárbara agressão contra a livre orientação sexual, além de desrespeito aos direitos humanos”.
Em abril de 2013, a foto nas redes sociais de um neonazista enforcando com uma corrente um morador de rua de Belo Horizonte causou revolta em todo o Brasil. Pouco tempo depois, ele foi preso, acusado de agredir outros moradores e também negros e de fazer apologia ao nazismo em páginas na internet.
Em novembro de 2011, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu uma escola municipal em Realengo, no Rio de Janeiro, e fez vários disparos, matando 10meninas entre 12 e 14 anos, e dois meninos. Nos depoimentos, as testemunhas relatam que ele atirava na cabeça das meninas e nos garotos nos braços e pernas, apenas para machucar.
Em abril de 1997, cinco rapazes de classe média de Brasília atearam fogo no índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que dormia em uma parada de ônibus na Asa Sul, região nobre da capital Federal. Galdino não resistiu aos ferimentos e morreu.