Renata Mariz
Brasília – Enquanto o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou, na semana passada, que a cada 10 minutos uma pessoa é assassinada no país, além do crescimento no número de roubos, furtos e outros crimes, a produção legislativa sobre o tema ficou aquém da urgência do setor. Os trabalhos da atual legislatura no Congresso terminarão, em 31 de dezembro, com um saldo de 35 projetos na área do combate à violência que se tornaram lei. Do total, 43% dizem respeito a instituições policiais, dos quais 75% tratam de pautas corporativistas, tais como anistia a grevistas, aposentadoria, indenização, criação de cargos e prerrogativas do delegado na investigação criminal.
sem foco Presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, Pauderney Avelino (DEM-AM) concorda com a conclusão da pesquisa. “Dou toda razão à constatação de que apreciamos muito mais propostas corporativistas em detrimento de ações reformistas. O que faço é colocar em votação o que existe de matéria apresentada. Agora, a partir de vários projetos que apresentei, poderemos mudar essa lógica”, diz o parlamentar. Uma das propostas importantes que ele destaca, a ser apresentada nesta semana, é a que vincula recursos da União para repasse a estados, fundo a fundo, destinados à segurança, tal como ocorre com Saúde e Educação.
O jurista Luiz Flávio Gomes, juiz aposentado e ex-promotor, ressalta que de nada adianta uma produção legislativa pujante se as normas não são aplicadas. “O Brasil é um país de bacharéis, como dizia Sérgio Buarque de Hollanda. Adoramos fazer leis, mesmo que não haja efetividade. Ou seja, no Brasil não há a certeza do castigo. E é essa certeza que previne a delinquência, e não a edição de leis ou o aumento de penas”, diz Gomes. Ele aponta o esclarecimento de homicídios como paradigmático na crise da segurança pública nacional. “Só 8% dos assassinatos são investigados. As polícias estão sucateadas, as perícias são insuficientes, há muito o que fazer.”
Das propostas que se tornaram lei de autoria do Legislativo, 26% foram propostas pela bancada governista, do PT. Em segundo lugar, 13% vieram do PR e 13% da Comissão de Relações Exteriores. Na lanterna do ranking, estão PSB, PMN e PFL, que só apresentaram 4% dos projetos, cada um. Siglas com história na política brasileira, como PSDB, PPS e PCdoB, não conseguiram emplacar nenhuma matéria na área da segurança pública, de acordo com os dados do ISP. O desinteresse, para Carolina Ricardo, do ISP, vem tanto do Legislativo quanto do Executivo federal, estendendo-se aos estados. “Segurança é um tema tratado apenas nos momentos de crise”, critica.
Na avaliação dela, a composição do Congresso impede que o nível do debate se eleve. “Há poucos que se interessam verdadeiramente pelo tema. Então, quem atua para as coisas andarem são policiais, militares e os financiadores de campanha, que inevitavelmente têm interesses corporativistas. Falta quem entenda a segurança como direito básico e fundamental da população, assim como a saúde e a educação”, explica Carolina. “Com isso, frequentemente as discussões se desviam do foco essencial para questões que, embora importantes, deveriam ser colocadas em segundo plano. Se apenas uma parte ínfima dos homicídios é investigada, será que aumentar penas terá mesmo efeito?”
Bom sinal Apesar das críticas, Carolina aponta normas importantes para o país aprovadas na atual legislatura, que começou em 2011. Uma delas é a chamada Lei das Cautelares, que introduziu medidas alternativas à prisão, como monitoramento eletrônico. A ideia, controversa no meio dos estudos criminais, teve como principal objetivo diminuir o número de detentos provisórios no país — correspondentes hoje a mais de 30% do total. Outra lei elogiada pela analista sênior do ISP é a que criou o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Droga (Sinesp), para agrupar as estatísticas criminais e prisionais do país.