Jornal Estado de Minas

O tortuoso caminho para a liberdade em Minas dos judeus torturados

Grupo de 48 refugiados judeus, amparados pelo historiador e filósofo alemão Hermann Görgen, passou por momentos de angústia e medo até conseguir chegar ao Brasil

Marcelo da Fonseca- enviado especial
Quase 10 mil quilômetros e dois países (França e Espanha), com forte presença de oficiais alemães prontos para prender e deportar refugiados judeus para campos de concentração, separavam a cidade suíça de Genebra – onde se reuniu o grupo de exilados liderados por Hermann Görgen para escapar da perseguição nazista – e Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira.
O caminho dos 48 refugiados que procuravam um lugar seguro, distante dos horrores da Europa durante a Segunda Guerra, foi marcado por angústia e tensão. O grupo sabia que a captura durante a fuga poderia significar o fim do sonho de liberdade.


Em série iniciada ontem, o Estado de Minas conta a história do grupo de exilados judeus e perseguidos políticos que teve a ajuda do historiador e filósofo alemão Hermann Mathias Görgen para escapar da morte quase certa nas mãos do regime nazista. Ele elaborou um plano para construir uma fábrica no interior de Minas Gerais, como justificativa para conseguir a autorização do governo brasileiro para a entrada dos perseguidos. Estratégia semelhante à do industrial Oskar Schindler, que ficou conhecido depois que sua façanha para salvar mais de 1 mil judeus dos campos de concentração chegou aos cinemas no filme A lista de Schindler.

O primeiro desafio de Görgen para ajudar as pessoas que foram incluídas em sua lista era conseguir documentos necessários para que os refugiados pudessem viajar sem ser presos pela Gestapo, polícia secreta alemã, ou militares de governos aliados aos nazistas. Como 38 dos 48 nomes de sua lista eram judeus e tinham a letra “J” carimbada em seus passaportes, a entrada em vários países seria impedida.

Foi preciso então conseguir passaportes de outros países, alguns com nomes falsos. A maioria dos documentos foi feita na Tchecoslováquia.

Outra solução encontrada por Görgen foi buscar o apoio de integrantes da Igreja Católica, que estavam dispostos a ajudar no salvamento de perseguidos pelo nazismo. Por meio de contatos no Vaticano e com padres de pequenas cidades espalhadas pela Europa, alguns refugiados conseguiram atestados de batismo falsos, o que permitiu aos exilados se afirmarem nos postos de imigração como “judeus convertidos ao catolicismo”. “Nesse trajeto, Görgen e seu grupo receberam uma ajuda importante do cônsul brasileiro em Genebra, Milton César Vieira, e do núncio apostólico, Felippe Bernardini, para conseguir os documentos necessários. Vieira foi um dos raros diplomatas que ajudou no salvamento de muitas vidas. Sem a ajuda de órgãos oficiais do governo brasileiro, a salvação ficou a cargo de pessoas que tiveram sentimento de humanismo e sensibilidade”, diz a historiadora da USP Maria Luiza Tucci Carneiro.

Com os documentos reunidos, eles foram de trem até Lisboa, em Portugal, onde embarcariam no navio espanhol Cabo de Hornos, com destino ao Brasil. No trajeto, o grupo passou por momentos de angústia e medo, correndo o risco de ser presos por oficiais alemães, quando passaram pela França, na época ocupada pelo Exército alemão, e pela Espanha, que, apesar da postura neutra, demonstrava simpatia pelos regimes fascistas.

Tensão no Atlântico 
Em pelo menos dois momentos da viagem a presença de militares espanhóis e alemães fiscalizando os passageiros dos trens geraram momentos de grande tensão entre os refugiados judeus, como relatou Jean Hoffmann em seu diário: “A viagem pela Espanha era meu último obstáculo e sabia que não seria fácil vencê-lo. Mas com a ajuda de Deus e de algumas pessoas de sentimentos nobres eu consegui vencer mais esse obstáculo, sem cair no último momento nas mãos dos agentes da Gestapo, na Espanha, o que acabou acontecendo com alguns amigos meus”.

Com pouco dinheiro para fazer a viagem – a maioria dos integrantes teve que abandonar seus pertences em suas antigas casas –, o grupo de Görgen passou por grandes dificuldades em Portugal à espera do embarque no navio. Eles se hospedaram em pensões próximas ao porto de Lisboa, sempre com receio de surgir problemas que atrapalhassem a viagem.


Mesmo depois de zarpar para o Oceano Atlântico, em 27 de abril de 1941, os refugiados voltaram a sentir angústia, sempre alertas de que a guerra nas águas entre submarinos alemães e ingleses se encontrava a todo vapor. Integrante da lista de Görgen, Ulrich Becher escreveu em suas memórias os momentos de tensão à bordo do navio. “Em Cadiz, última estação em solo europeu (será que seria a última, como esperávamos?), um casal embarcou. De repente, por volta da meia-noite, o Cabo de Hornos parou, o navio ficou boiando uma hora ou mais nas ondas do Atlântico, com os motores parados. A notícia se espalhou a bordo: submarino de nacionalidade desconhecida parou nosso transatlântico espanhol, que era um navio neutro”, relatou Becher. A parada, no entanto, foi ordenada por um submarino aliado, da Marinha britânica, e a viagem prosseguiu para alívio dos refugiados.

 

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