Jornal Estado de Minas

Judeus e exilados políticos alemães enfrentaram preconceito em Minas

Levados para Juiz de Fora pelo professor alemão Hermann Görgen, imigrantes tiveram dificuldade para trabalhar como operários

Marcelo da Fonseca

Os 48 judeus e exilados políticos que desembarcaram em Juiz de Fora, em 1941, fugindo do nazismo com a ajuda do professor Hermann Görgen, tiveram dificuldades para se adaptar à rotina no interior mineiro.

Sem condições de trabalhar em suas áreas – entre eles havia intelectuais, professores universitários e escritores –, uma vez que vieram para atuar como operários em uma fábrica de fachada, os integrantes do grupo Görgen enfrentaram uma série de proibições impostas aos imigrantes da Segunda Guerra. Após garantir a sobrevivência longe das atrocidades cometidas pelo ditador alemão Adolf Hitler, os refugiados passariam por mais alguns anos de provação no território brasileiro.

- Foto: Arquivo PessoalEm série iniciada domingo, o Estado de Minas conta a história do grupo de exilados judeus e perseguidos políticos que contou com a ajuda do historiador e filósofo alemão Hermann Mathias Görgen para escapar da morte quase certa nas mãos do regime nazista. Ele elaborou um plano para construir uma fábrica no interior de Minas Gerais – as Indústrias Técnicas Ltda. –, como justificativa para conseguir a autorização do governo brasileiro para a entrada dos perseguidos. Estratégia semelhante à do industrial Oskar Schindler, que ficou conhecido depois que sua façanha para salvar mais de 1 mil judeus dos campos de concentração chegou aos cinemas no filme A Lista de Schindler.

A proximidade entre Juiz de Fora e o Rio de Janeiro, então capital federal, e as características europeias da cidade mineira – o município foi apelidado no final do século 19 de “Manchester Mineira” pelo grande número de indústrias – não foram suficientes para uma adaptação mais fácil dos exilados. Durante o período de guerra, a população tratava com preconceito os alemães que chegavam ao Brasil. Principalmente depois que o presidente Getúlio Vargas declarou guerra aos governos fascistas, algumas regras duras entraram em vigor, proibindo o uso do idioma alemão no país e o comércio de alguns produtos fabricados pelos imigrantes, mesmo eles tendo sido obrigados a fugir pelo regime nazista.



"A língua foi sem dúvida a maior dificuldade.
E a própria condição de refugiados, impunha uma série de obstáculos na retomada de suas vidas. Eles não tinham patrimônios ao chegar aqui, já que muitos saíram às pressas e deixaram tudo para trás. Muitos intelectuais não podiam chamar atenção com suas ideias. No caso do grupo Görgen, a maioria dos refugiados trabalhou em uma fábrica, algo que nunca tinham feito na vida”, conta a historiadora da Universidade de São Paulo (USP), Maria Luiza Tucci Carneiro.

O escritor alemão Ulrich Becher, integrante do grupo Görgen, relatou as dificuldades para conseguir trabalhar no interior mineiro. Ficou pouco tempo na fábrica em Juiz de Fora até se mudar para o Rio de Janeiro. “Não é possível construir uma editora somente a partir das suas ideias, ainda que se tenha 50 títulos na cabeça. Precisa-se de impulsos e gente com quem se briga e pensa. Há coisas que são impossíveis por estarem no lugar errado”, desabafou Becher em carta para seu amigo Gerhard Metsch. O escritor alemão teve várias de suas obras queimadas em praças públicas quando os nazistas chegaram ao poder.

A frustração com a vida de exilado continuou mesmo depois do fim da Segunda Guerra, em 1945. Como muitos dos intelectuais defendiam ideologias de esquerda, no período da Guerra Fria eles continuaram enfrentando preconceito e censura mesmo distantes de suas pátrias. “Até os anos 1950, esses exilados enfrentaram grande dificuldade, passando por um período de reclusão e silêncio. Mesmo com o fim da guerra, esses judeus continuaram sem poder se manifestar intelectualmente. Muitos eram socialistas, de esquerda, e corriam o risco de serem taxados de comunistas.
A polícia política do Brasil, o Dops e outros órgãos de segurança, os consideravam ‘defensores das ideologias exóticas’ e manteria uma vigilância constante sobre eles. O próprio Görgen, defensor de ideias de esquerda, foi perseguido e vigiado por muito tempo”, explica Maria Luíza.

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