Jornal Estado de Minas

Lei nacional antifumo pode parar na Justiça

Associação Brasileira de Bares e Restaurantes pretende questionar lei que restringe cigarro. Entidade alega excesso de rigor e teme prejuízos

Júlia Chaib Ana Pompeu
Brasília – O presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, afirma que a entidade pretende questionar a legislação antifumo que entra em vigor em todo o país na quarta-feira.
O texto proíbe o uso do cigarro em lugares fechados de uso coletivo sendo eles públicos ou privados. Com a mudança, até ambientes parcialmente abertos, como aqueles cobertos por toldos, estão impedidos de abrigar pessoas com cigarro aceso. As sanções para o descumprimento são direcionadas aos estabelecimentos comerciais, e não aos usuários. Quem desrespeitar a norma pode receber multas de até R$ 1,5 milhão e perder a licença de funcionamento.


“O decreto cria um rigor inimaginável. Como é que você vai se adaptar a uma situação dessas? É colocar o fumante para fora da casa, impedir os direitos individuais do cidadão de consumir um produto que é lícito”, argumenta Solmucci. A medida, já vivida, em menor ou maior rigor, em pelo menos nove estados do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Rondônia, Minas Gerais, Roraima, Amazonas, Mato Grosso, Paraíba e Paraná), divide comerciantes, especialistas em saúde e população.

Mesmo com a proximidade da data de vigor da lei em todo o país, bares e restaurantes ainda não estão devidamente adaptados.

Outro problema apontado pela Abrasel é a impossibilidade de anunciar a venda dos cigarros. “A publicidade restrita também fere o direito do comerciante de dizer ao cliente o que a casa oferece. Vamos analisar com cuidado para tomar as medidas cabíveis”, diz Solmucci. Segundo ele, a insatisfação entre comerciantes é generalizada. Além disso, o presidente da Abrasel reclama que não foram dadas orientações suficientes para os estabelecimentos.

Já a diretora executiva da organização não-governamental Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), Paula Johns, comemora as novas regras. Ela ressalta que o principal objetivo da lei é proteger a saúde das pessoas. “Às vezes, o fumante se sente discriminado. Ninguém é a favor de posturas agressivas contra fumantes, mas ele tem de saber onde pode fumar”, afirma. Paula diz que “a definição do local fechado inclui ambientes com varandas laterais”. “A varanda tem comunicação direta com a área interna. Não adianta dizer que ali tem a dispersão da fumaça”, defende a diretora da ACT.

Segundo Paula, a experiência em São Paulo mostra que, depois de um período de adaptação, a população pode compreender a importância da legislação.
Lá, a aprovação depois que a lei antifumo estadual entrou em vigor subiu de cerca de 80% para 99% dos moradores. A diretora da ACT diz ainda que a lei “coloca em pé de igualdade todos os trabalhadores do país expostos ao cigarro”. “Se um trabalhador em um restaurante de Minas Gerais estava mais exposto à fumaça do que o de São Paulo, não estará mais. Os garçons do Brasil inteiro vão estar protegidos”, exemplifica. E completa: “Onde para você é um local de diversão, para outra pessoa é o do trabalho”.

Apesar de ver brechas na lei, como a possibilidade de fumar em hospitais — que abriguem pacientes com autorização médica — e uma ambiguidade quanto às tabacarias — que podem se assemelhar a bares —, Paula defende que os benefícios da lei são muito maiores. A ACT lançará uma campanha em rádios e nas redes sociais, a partir da próxima semana, para detalhar as mudanças. O Ministério da Saúde fará o mesmo na quarta-feira.

Discriminação Fumante há 20 anos, a servidora pública Larissa Tavernard, 47 anos, considera algumas proibições da lei exageradas. “Se tiver um teto, mas uma área lateral aberta, deveria ser permitido fumar. Aceito o fato de as pessoas não precisarem inalar a fumaça. Sempre procuro sentar em área aberta para não incomodar, mas sinto que o meu direito de ir e vir fica mais restrito e me sinto discriminada em algumas situações”, avalia.

 

Fumaça tóxica

O tabagismo é o principal fator de risco das doenças crônicas não transmissíveis. Confira dados sobre o hábito

11%
da população brasileira é fumante

R$ 21 bilhões
É o gasto do governo federal com doenças relacionadas ao tabagismo

R$ 477 milhões
É a arrecadação de impostos com o cigarro

Fumar está relacionado a:

 

71%
dos casos de câncer de pulmão

70%
dos casos de câncer de boca e faringe

68%
dos casos de câncer de esôfago

42%
das doenças respiratórias crônicas

10%
das doenças cardiovasculares

Fonte: Ministério da Saúde e Aliança de Controle do Tabagismo (ACT)

 

As novas regras

Confira as principais normas trazidas pelo decreto que entra em vigor na próxima quarta-feira

» Ficam proibidos os chamados fumódromos e o consumo de tabaco em qualquer ambiente coletivo, público ou privado, mesmo que a cobertura seja apenas um toldo ou marquise. Também estão proibidos os “cercadinhos” de fumantes em casas noturnas. Empresas e órgãos públicos devem seguir as mesmas regras.

» A propaganda permanece proibida em qualquer veículo de comunicação. Agora, os cigarros também não podem ser expostos em bares.

» Os alertas do Ministério da Saúde deverão ocupar 100% da área de trás das embalagens. A partir de 2016, 30% da parte frontal dos maços também deverá ser coberta com avisos.

» Comerciantes que desobedecerem as novas regras estão sujeitos a multas que variam de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão. Não há punição para os fumantes, mas os donos de estabelecimentos poderão acionar a força policial para remover quem se recusar a cumprir as regras.

» O decreto estabelece cinco exceções à norma. O fumo pode ser usado em cerimônias religiosas nas quais seja parte do ritual; em tabacarias devidamente identificadas e com ambiente adequado; em estúdios e sets de filmagem quando necessário à produção da obra; nos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento da indústria do tabaco; e em clínicas e hospitais que abriguem pacientes com autorização médica para fumar.

» O uso do narguilé segue as mesmas regras do tabaco. O aparelho só poderá ser usado em áreas totalmente abertas e desde que haja um isolamento em relação à parte interna do estabelecimento.

» Em varandas ao ar livre (sem cobertura) será permitido o fumo desde que a área interna do estabelecimento esteja isolada por uma barreira física, como uma parede. Se a área aberta for contígua à parte interna do estabelecimento, o fumo fica proibido.

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