Prestes a completar dois anos, a tragédia que matou 242 pessoas na boate Kiss ainda mantém feridas abertas. São sequelas físicas e emocionais. Além dos que morreram na catástrofe que acometeu a casa noturna de Santa Maria (RS) em 27 de janeiro de 2013, há pelo menos 297 sobreviventes com problemas respiratórios. Outros 26 receberam atendimento no ano passado por estarem com sequelas de queimaduras, fora os diversos com acompanhamento psiquiátrico ou psicológico. Já no campo da prevenção à segurança contra esse tipo de acidente, a tão prometida lei federal sobre o tema segue parada no Congresso com dois projetos. E, na esfera da Justiça, dos mais de 40 denunciados, ninguém está preso.
Na madrugada da tragédia, havia cerca de mil pessoas no local com capacidade máxima para 631. Superlotada e com apenas uma saída, a Kiss foi palco de um incêndio provocado pelo sinalizador acionado por integrantes da banda Gurizada Fandangueira. A faísca emitida pelo artefato entrou em contato com a espuma responsável pelo isolamento acústico do local. “Não tem como vivenciar um evento desses sem que alguém lá pelas tantas tenha depressão. A gente percebe que muitos ainda sofrem com as dores da alma e precisam de recursos. Muitos não procuram ajuda, outros transformaram a vida, outros estão se acostumando com a falta”, diz o presidente da Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Adherbal Ferreira, que perdeu na filha Jesseca Ferreira, de 22 anos, estudante de psicologia.
Desde a tragédia na Rua dos Andradas, no centro de Santa Maria, Adherbal passou quase um ano sem conseguir trabalhar direito. Nesse meio tempo, ele fundou a associação e, somente no meio do ano passado, retomou o trabalho como empresário de comércio. Ele deixará a presidência da AVTSM em março para se dedicar ao emprego. Ferreira conta que mais de mil pessoas participam da associação que presta auxílio às vítimas. Para marcar os dois anos da tragédia, foram agendadas homenagens.
De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 400 vítimas da Kiss foram atendidas em 2014 pelo Centro Integrado de Atenção às Vítimas de Acidentes (Ciava) do Hospital Universitário de Santa Maria, com problemas respiratórios, queimaduras, fonoaudiologia, entre outras especialidades, totalizando 3.521 consultas. Mais 40 pessoas procuraram o serviço no ano passado para acompanhamento com psiquiatra.
Outro serviço, especializado em saúde mental, o AcolheSaúde, da Secretaria Municipal de Santa Maria, recebeu 970 pessoas em 2014 e 2.373 atendimentos foram feitos pessoalmente, por telefone ou por meio de reuniões de apoio, visitas institucionais e reuniões de gestão. São parentes, amigos, sobreviventes, e pessoas que participaram da ações de resgate que recebem o acompanhamento dos centros. No total, segundo a Secretaria de Saúde do Estado, 1.900 pessoas são acompanhadas pelos serviços de saúde de Santa Maria.
As vítimas do incêndio morreram por asfixia provocada pela inalação de cianeto e de monóxido de carbono. Por isso, a maioria estava com o corpos praticamente intacto. A conclusão é dos laudos periciais. O gás que intoxicou as vítimas do incêndio foi resultado da queima da espuma que servia como isolante acústico do local. Ao pegar fogo, a substância liberou o gás cianeto, mesmo utilizado nas câmaras de gás nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Por isso, além das pessoas que morreram, sobreviventes e pessoas que trabalharam no resgate também tiveram problemas de saúde por causa da inalação da fumaça.
Uma série de erros culminaram no incêndio da Kiss. Um deles foi o uso do sinalizador. A existência de somente uma saída na boate e o fato de ela estar com alvará de incêndio vencido também são apontados como catalisadores para as proporções da tragédia. O fato de ela estar superlotada foi decisivo para a baixa taxa de sobreviventes.
Processo
Desde a tragédia, seis processos tramitam no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Mais de 40 pessoas foram denunciadas à Justiça pelo Ministério Público por crimes relacionados ao incêndio. Na esfera criminal, os dois sócio-proprietários da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffman, e dois integrantes da Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha, acabaram denunciados em abril do ano passado por homicídio doloso qualificado (motivo torpe, meio cruel) e tentativa de homicídio.
Eles chegaram a ter a prisão preventiva decretada, mas, em maio de 2013, o tribunal revogou a prisão. Desde então, eles respondem em liberdade. Os sócios da Kiss são apontados como responsáveis pela instalação da espuma inflamável; pela superlotação; e pela contratação do show pirotécnico sem as devidas condições de segurança. Os integrantes da banda foram denunciados por acionarem o sinalizador.
Outras 43 pessoas, entre elas os sócios, também respondem por crimes como falsidade ideológica, fraude processual e falso testemunho. Na esfera cível, há uma ação sobre a indenização dos parentes das vítimas e outra civil pública que investiga a suspeita de improbidade administrativa contra oficiais do Corpo de Bombeiros. O presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira, conta que os funcionários da boate presentes no dia da tragédia receberam indenizações trabalhistas.
“Nós ainda estamos com a sensação de injustiça. Todo o processo que houve nesses dois anos nos levou a ficar meio desacreditados na Justiça. Nós imaginávamos que o fato de serem 242 vítimas e 600 e tantas tentativas de morte, a essa altura, eles já estariam presos”, desabafa Aderbhal. Neste ano, podem acontecer os depoimentos dos réus no processo e uma possível reconstituição da noite da tragédia.
Balanço de uma tragédia
- 242 mortos
- 293 pessoas com problemas respiratórios
- 27 pessoas com queimaduras
- Nenhum responsável preso
- Nenhuma Lei federal sobre segurança anti-incêndio
Dia branco
Para marcar os dois anos da tragédia, a Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss (AVTSM) pedirá aos moradores de Santa Maria que usem branco depois de amanhã. E quem puder, coloque fitas brancas nos carros e nas lojas. Depois, por volta das 18h, no auditório de um colégio, haverá uma solenidade de homenagem às vítimas.
Na madrugada da tragédia, havia cerca de mil pessoas no local com capacidade máxima para 631. Superlotada e com apenas uma saída, a Kiss foi palco de um incêndio provocado pelo sinalizador acionado por integrantes da banda Gurizada Fandangueira. A faísca emitida pelo artefato entrou em contato com a espuma responsável pelo isolamento acústico do local. “Não tem como vivenciar um evento desses sem que alguém lá pelas tantas tenha depressão. A gente percebe que muitos ainda sofrem com as dores da alma e precisam de recursos. Muitos não procuram ajuda, outros transformaram a vida, outros estão se acostumando com a falta”, diz o presidente da Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Adherbal Ferreira, que perdeu na filha Jesseca Ferreira, de 22 anos, estudante de psicologia.
Desde a tragédia na Rua dos Andradas, no centro de Santa Maria, Adherbal passou quase um ano sem conseguir trabalhar direito. Nesse meio tempo, ele fundou a associação e, somente no meio do ano passado, retomou o trabalho como empresário de comércio. Ele deixará a presidência da AVTSM em março para se dedicar ao emprego. Ferreira conta que mais de mil pessoas participam da associação que presta auxílio às vítimas. Para marcar os dois anos da tragédia, foram agendadas homenagens.
De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 400 vítimas da Kiss foram atendidas em 2014 pelo Centro Integrado de Atenção às Vítimas de Acidentes (Ciava) do Hospital Universitário de Santa Maria, com problemas respiratórios, queimaduras, fonoaudiologia, entre outras especialidades, totalizando 3.521 consultas. Mais 40 pessoas procuraram o serviço no ano passado para acompanhamento com psiquiatra.
Outro serviço, especializado em saúde mental, o AcolheSaúde, da Secretaria Municipal de Santa Maria, recebeu 970 pessoas em 2014 e 2.373 atendimentos foram feitos pessoalmente, por telefone ou por meio de reuniões de apoio, visitas institucionais e reuniões de gestão. São parentes, amigos, sobreviventes, e pessoas que participaram da ações de resgate que recebem o acompanhamento dos centros. No total, segundo a Secretaria de Saúde do Estado, 1.900 pessoas são acompanhadas pelos serviços de saúde de Santa Maria.
As vítimas do incêndio morreram por asfixia provocada pela inalação de cianeto e de monóxido de carbono. Por isso, a maioria estava com o corpos praticamente intacto. A conclusão é dos laudos periciais. O gás que intoxicou as vítimas do incêndio foi resultado da queima da espuma que servia como isolante acústico do local. Ao pegar fogo, a substância liberou o gás cianeto, mesmo utilizado nas câmaras de gás nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Por isso, além das pessoas que morreram, sobreviventes e pessoas que trabalharam no resgate também tiveram problemas de saúde por causa da inalação da fumaça.
Uma série de erros culminaram no incêndio da Kiss. Um deles foi o uso do sinalizador. A existência de somente uma saída na boate e o fato de ela estar com alvará de incêndio vencido também são apontados como catalisadores para as proporções da tragédia. O fato de ela estar superlotada foi decisivo para a baixa taxa de sobreviventes.
Processo
Desde a tragédia, seis processos tramitam no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Mais de 40 pessoas foram denunciadas à Justiça pelo Ministério Público por crimes relacionados ao incêndio. Na esfera criminal, os dois sócio-proprietários da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffman, e dois integrantes da Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha, acabaram denunciados em abril do ano passado por homicídio doloso qualificado (motivo torpe, meio cruel) e tentativa de homicídio.
Eles chegaram a ter a prisão preventiva decretada, mas, em maio de 2013, o tribunal revogou a prisão. Desde então, eles respondem em liberdade. Os sócios da Kiss são apontados como responsáveis pela instalação da espuma inflamável; pela superlotação; e pela contratação do show pirotécnico sem as devidas condições de segurança. Os integrantes da banda foram denunciados por acionarem o sinalizador.
Outras 43 pessoas, entre elas os sócios, também respondem por crimes como falsidade ideológica, fraude processual e falso testemunho. Na esfera cível, há uma ação sobre a indenização dos parentes das vítimas e outra civil pública que investiga a suspeita de improbidade administrativa contra oficiais do Corpo de Bombeiros. O presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira, conta que os funcionários da boate presentes no dia da tragédia receberam indenizações trabalhistas.
“Nós ainda estamos com a sensação de injustiça. Todo o processo que houve nesses dois anos nos levou a ficar meio desacreditados na Justiça. Nós imaginávamos que o fato de serem 242 vítimas e 600 e tantas tentativas de morte, a essa altura, eles já estariam presos”, desabafa Aderbhal. Neste ano, podem acontecer os depoimentos dos réus no processo e uma possível reconstituição da noite da tragédia.
Balanço de uma tragédia
- 242 mortos
- 293 pessoas com problemas respiratórios
- 27 pessoas com queimaduras
- Nenhum responsável preso
- Nenhuma Lei federal sobre segurança anti-incêndio
Dia branco
Para marcar os dois anos da tragédia, a Associação de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss (AVTSM) pedirá aos moradores de Santa Maria que usem branco depois de amanhã. E quem puder, coloque fitas brancas nos carros e nas lojas. Depois, por volta das 18h, no auditório de um colégio, haverá uma solenidade de homenagem às vítimas.