Jornal Estado de Minas

Cicatrizes do desastre em Angra dos Reis ainda marcam a memória

Gustavo Werneck Leandro Couri

Ilha Grande, Angra dos Reis (RJ) – Quem chega de barco à Enseada do Bananal, no distrito de Ilha Grande, em Angra dos Reis, desfruta do belo cenário panorâmico da praia e pode ver, num contraponto, o rastro do deslizamento na encosta da montanha semelhante a uma cicatriz.

O desastre resultante das intensas chuvas do fim de 2009 ganhou repercussão internacional e deixou marcas no meio ambiente e nos moradores. Na época, a avalanche de lama, troncos e pedras desceu e se dividiu em certo ponto de seu curso destruidor: de um lado, soterrou casas, dizimou vidas e também parte da praia; no outro, onde se localizava a Sankay, uma pedra gigante rolou a ribanceira e atingiu em cheio o quarto onde dormiam Yumi e amigos, entre eles o casal de namorados Isabella Godinho e Paulo Sarmiento. Yumi e o casal de amigos morreram.

Após o resgate das vítimas, todas as casas foram interditadas pela Defesa Civil, com exceção das localizadas à esquerda de quem chega à enseada e uma moradia cujos proprietários obtiveram liminar na Justiça para ocupação.


Alguns moradores não gostam de falar sobre a tragédia ou ir além dos cordões de isolamento das árvores, mas indicaram a trilha ao repórter fotográfico Leandro Couri, do EM, alertando sobre o mato avantajado. As instalações consumidas pela floresta ainda trazem fortes traços do lugar, que já foi um dos mais luxuosos da Ilha Grande – com estrutura que incluía barco, vista privilegiada para o mar, deque, sauna, piscina e salão de jogos – e que operava com mais de 70% da sua capacidade de ocupação o ano inteiro.


O empreendimento erguido por Geraldo Flávio e Sonia Imanishi Faraci na Enseada do Bananal não existe mais – restaram ruínas. Impressionado com o cenário, Couri fez muitas fotos e mostrou algumas delas ao casal, na semana passada, em sua residência num condomínio em Brumadinho. “Desde a tragédia, nunca mais estive lá...”, disse Geraldo, que, além de olhar fixamente para as imagens, coçava a cabeça ao verificar os detalhes. Sonia também viu o material com tranquilidade, mas, algumas vezes, baixou os olhos.


As lembranças voltaram, mas sem lágrimas.

Numa das fotos mostradas no smartphone, Geraldo identificou o quarto dele e de Sonia. “Atrás do nosso quarto, ficava o de Yumi. “Puxa vida! Você esteve lá...”, disse, antes de contar episódio envolvendo a cabeceira da cama do casal. “Tínhamos ali uma tela grande de autoria de Léo Brizola. Ela foi arrancada e lançada na praia e ficou sobre a areia durante muito tempo, sofrendo os efeitos do sol e da chuva, com as pessoas passando por cima, enfim, muitos danos.” Ao ser localizada a tela, Brizola achou que seria melhor deixá-la do jeito que estava e o casal a mantém em Brumadinho com todas as suas marcas.

Na época da tragédia, o patrimônio familiar incluía pousada, restaurante, butique, operadora de mergulho, uma casa em Angra e apartamento em Belo Horizonte, adquirido para alojar Yumi durante os estudos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).


“Em duas décadas na Ilha Grande, fortalecemos nossa união”, conta Sônia. “Depois da ‘partida’ de nossa filha, fiquei entre dois caminhos: tornar-me sobrevivente ou vítima”, diz ela, que, durante muito tempo, acordou no meio da madrugada, exatamente na hora do “acidente”.


A mãe de Yumi encontrou alegria modelando o barro, que, por essas ironias do destino, soterrou a filha única. Montou um ateliê de cerâmica, em que o casal mantém vários potes plásticos com terra de diferentes cores retirada do lote onde construiu a casa. “Sonia pretende fazer um pote com um punhado de cada terra para guardar as cinzas de Yumi”, adianta Geraldo.


As marcas estão também na pele dos pais de Yumi. Geraldo tem o rosto da filha tatuado nas costas; o nome da menina está ainda grafado na lateral de uma das panturrilhas dele e de Sonia e, visto de cima, toma a forma de uma guitarra. O nome de Yumi batiza um torneio de kobudô, no Rio de Janeiro, e um projeto de educação musical em Angra.

INABITÁVEL

Desde a tragédia que deixou 53 mortos e um desaparecido, incluindo o Morro da Carioca, comunidade na cidade de Angra dos Reis (RJ), a área onde ficava a pousada foi declarada de risco permanente e inabitável. Segundo a Secretaria Especial de Defesa Civil e Trânsito de Angra dos Reis, em 2010, foi construído um muro no local para evitar que novos blocos de rocha se deslocassem em direção ao mar. Mas como há pedras soltas no alto do morro, a Defesa Civil Municipal decidiu pela interdição permanente de toda a área onde ficava a Sankay para evitar mais óbitos. (Veja mais aqui)

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