Longe das montanhas de Minas e do mar de Angra dos Reis (RJ), duas grandes paixões do casal, o deserto de Atacama, no Chile, foi o destino escolhido por Geraldo Flávio e Sonia, em outubro, para celebrar as bodas de prata. Numa altitude superior a 4 mil metros, os dois tinham um objetivo singelo: ficar mais perto do céu e, portanto, da filha Yumi Imanishi Faraci, que, se estivesse viva, completaria 23 anos no mês anterior. “O lugar guarda uma energia muito forte, foi bom estar ali”, revela Sonia, ao admirar da janela de casa, num condomínio em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a natureza exuberante, e se recordar da filha única que morreu no réveillon de 2009 em Ilha Grande. Estudante de arquitetura e apaixonada por esportes, sendo inclusive faixa preta em caratê, a jovem foi soterrada por lama e pedras deslizadas de uma montanha, enquanto dormia na Pousada Sankay, dos seus pais, na Enseada do Bananal. “Um dia voltaremos a Atacama. E, com certeza, a morar à beira-mar”, diz Geraldo, certo de que a experiência trouxe força para superar a dor da perda e esperança para trilhar outros caminhos.
Ilha Grande é a senha para que venha à tona a história que mudou a vida do belo-horizontino Geraldo e da carioca Sonia, que se mudou ainda criança para a capital mineira. Tudo começou na década de 1990. Cheios de planos e com a filha pequena, os dois decidiram atender ao “chamado do mar” e iniciar vida nova em família, numa praia. “Meu pai, Akira, tinha um terreno no Bananal e nos ofereceu a propriedade. O lugar não tinha água encanada nem luz elétrica, só tínhamos gerador. Mesmo assim encaramos o desafio de erguer a Pousada Sankay”, conta Sonia, explicando que os ideogramas japoneses formadores da palavra significam montanha (san) e mar (kay).
Mergulhos
Tudo corria bem até que chegou o réveillon e os Faraci fizeram festa para desejar feliz 2010 a 54 convidados, incluindo sete amigos da filha chegados de BH. “Yumi pediu ao DJ para tocar, especialmente, Macarena, para fazer a coreografia, e Viva La Vida, da banda Coldplay, que ela amava. Dançamos até duas da madrugada. Nossa filha preferiu dormir com a turma, cedendo seu quarto para o avô. Quando eram 3h15, a terra da montanha, de 380 metros de altura, desceu trazendo pedras, lama e raízes”, conta Geraldo.
Portas Fechadas
A longa noite não terminaria tão cedo – na verdade, duraria todo o ano seguinte. “Ao ouvir barulho e gritos, pulei da cama e consegui salvar Natasha, amiga de minha filha. Mas demorou muito para Yumi ser encontrada”, diz Geraldo, com a voz firme. Na manhã seguinte, chegou o resgate. “Na pousada, ocorreram estragos apenas no quarto de Yumi, mas, na região do Bananal, não foram poucos: nove pessoas de uma família haviam morrido”, conta ele. A solidariedade de vizinhos falou mais alto e muitos donos de pousadas abrigaram os hóspedes. “Sem amigos não se faz nada na vida”, acredita Sonia.
Nesse torvelinho, o casal retornou a BH e foi morar com a mãe de Geraldo até que, há dois anos, se mudou para Brumadinho. Como os danos na pousada foram causados pela natureza, não houve pagamento de seguro. O que aliviou a barra foram os R$ 10 mil pagos por seguro da UFMG, específico para estudantes.
Ao interagir com os vizinhos, Sonia conheceu ceramistas e viu que tinha jeito para essa arte. Acabou montando um ateliê e já apresentou peças em exposições. Vivendo com o dinheiro da aposentadoria e o fruto de economias, os dois contam que o mundo virou de cabeça para baixo, mas eles conseguiram entrar nos eixos. “Aprendi a praticar o desapego. Antes, tinha tudo sob controle, era pura matemática”, afirma Sonia, que trocou de matéria. Com um sorriso franco, revela que passou a valorizar a espiritualidade. (Veja mais fotos aqui)