Jornal Estado de Minas

Escolas que não saem do papel

Empresa ganha verba, mas não constrói creches de obras federais

Empreiteira que assinou contratos para construir várias creches no país abandona o trabalho. Obras estão paradas em Minas Gerais, São Paulo e Paraná

Luiz Ribeiro Maria Clara Prates

- Foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press


Dez mil crianças de até 5 anos que vivem em Montes Claros, na Região Norte de Minas Gerais, aguardam a construção de 11 escolas de educação infantil que deveriam ter sido iniciadas em 2013, depois da liberação de R$ 17,05 milhões do Programa Pro-Infância, do governo federal. No entanto, o sonho de ter acesso à educação esbarrou na desistência da Construtora Casa Alta, vencedora de licitação da União, que assinou o contrato com a prefeitura da cidade há seis meses e fez apenas a terraplenagem, o piso do estabelecimento e uma parte do muro do terreno, em apenas um dos empreendimentos. Em outubro, abandonou totalmente a construção, quando as obras já deveriam estar concluídas, de acordo com o contrato firmado.

Uma realidade que não se restringe à Prefeitura de Montes Claros, mas passa por vários outros estados onde a Construtora Casa Alta assinou contratos com o governo federal. O atraso nas obras, a falta de pagamento dos trabalhadores e materiais expostos ao tempo são o que se vê em Limeira (SP), onde deveria ser erguida a creche Residencial Village. Segundo a prefeitura, a obra foi terceirizada pela empreiteira e está paralisada desde fevereiro. A situação também não é diferente no município paulista de Itararé, onde a Creche Jardim Alvorada foi paralisada porque a construtora que assumiu o empreendimento, a RRV Construção Civil, nem sequer tem os equipamentos necessários para o início da obra.

Suzana dos Reis Silva não tem onde deixar a filha Gabriela, de 3 anos - Foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A PressJá no Paraná, o município de Sengés deveria estar, desde o ano passado, com 75% da obra do Centro Municipal de Educação Infantil pronto, mas, em agosto, tinha apenas 10%. A situação das construções das creches assumidas pela Casa Alta contrasta, no entanto, com a vitalidade financeira da empreiteira. De acordo com balanço, a empresa cresceu 1.500% entre 2009 e 2014, depois que passou a integrar o quadro de executores de programas do governo federal, como o Minha casa, minha vida e o Pro-Infância.
“Há 35 anos no mercado, a Casa Alta acaba de conquistar um importante título em sua história: foi a construtora que mais cresceu no último ano, conquistando a sétima posição de maior empreiteira do país em volume de metros quadrados construídos, segundo o ranking Inteligência Empresarial da Construção (ITC)”, informa o site oficial da Casa Alta, em abril. Ainda segundo a página virtual, a companhia, fundada em 1978, tem escritórios em Brasília, Florianópolis, Porto Velho, Bauru (SP) e Campinas (SP), além de manter obras em oito estados brasileiros.

Procurada pela reportagem do Estado de Minas, a Construtora Casa Alta, informou, por meio de assessoria de comunicação, que não localizou o engenheiro responsável pela obra em Montes Claros e não esclareceu o que houve nos demais casos citados.

DRAMA

Enquanto as obras não saem do papel, as famílias de baixa renda que precisam das creches continuam sem ter a quem recorrer. É o caso da cozinheira Suzana dos Reis Silva, de 34 anos, moradora do Bairro Novo Delfino, na região próxima ao Bairro Santa Lúcia, onde a creche de Montes Claros seria construída, mas está no piso até hoje. Suzana é mãe de Gabriela, de 3, e relata que, desde o segundo semestre do ano passado, tenta, mas não consegue encontrar vaga para a filha em alguma instituição mantida pelo poder público.

A cozinheira argumenta que, por falta de estrutura, continua desempregada. “Preciso trabalhar, mas, sem a creche, não tenho com quem deixar a minha filha”, afirma Suzana. Ela disse que, há dois meses, teve uma oferta de emprego numa casa de família, mas foi impedida de aceitar o serviço por causa da falta de um local para deixar a menina. Suzana disse ainda que precisa do emprego para ajudar no custeio das despesas da casa, pois a família paga R$ 380 de aluguel por mês e sobrevive apenas com a renda do marido, Roberto Barbosa Silva, que ganha R$ 900 mensais como operador de máquina em uma fábrica de cerâmicas.

Em frente à obra parada da creche, o operador de produção Paulo Silva Norberto também torce para que os serviços sejam retomados o mais rapidamente possível. Ele pensa no futuro do filho, Nicolas Pietro, de 6 meses, e na necessidade de aumento da renda da família. Ele disse que a mulher, a estudante Andressa Silva Soares, de 17, pretende começar a trabalhar assim que completar a maioridade. “Mas ela terá que deixar nosso filho em algum lugar. E vamos precisar da creche”, conta.

 

Prefeitura assume obras

 

O prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz (PRB), explica que o contrato com a empreiteira Casa Alta foi assinado em outubro de 2013, com a previsão de entrega das obras em outubro de 2014. O chefe do Executivo municipal explica que o pacote das 11 creches foi licitado pelo governo federal, cabendo à prefeitura apenas assinar um termo, concordando em repassar os serviços para a empresa, que elaborou um projeto-padrão de creches do Programa Pro-Infância para todo o país, construídas com PVC.

No entanto, segundo o prefeito, passaram-se mais de seis meses da assinatura do contrato e a construtora não fez nada. Muniz relata que, em meados de 2014, procurou a Casa Alta e cobrou o cronograma dos serviços.

Depois disso, em 4 de agosto, a empreiteira iniciou os serviços em uma das creches, a do Bairro Santa Lúcia, no valor de R$ 1.567.969, com capacidade para 240 crianças e previsão de término este mês. No entanto, foram feitos somente a terraplenagem, o piso do estabelecimento e uma parte do muro do terreno. Em outubro passado, a empresa abandonou os serviços, que continuam paralisados.

ANULAÇÃO Ruy Muniz informa que o contrato com a Casa Alta foi anulado e agora, por conta própria, a Prefeitura de Montes Claros vai realizar outra licitação para a construção das 11 creches, que, juntas, vão garantir a abertura de 2.240 vagas de ensino infantil para crianças de até 5 anos.

“Ao que parece, a Construtora Casa Alta era especializada em obras do programa Minha casa, minha vida e assumiu obras do Pro-Infância em todo o país. O problema é que não deu conta de cumprir o contrato. Lamentável que isso tenha ocorrido em uma área tão importante, que é o ensino infantil”, afirma o prefeito. Segundo ele, o objetivo é concluir as obras ainda este ano. (LR e MCP)

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