Dez mil crianças de até 5 anos que vivem em Montes Claros, na Região Norte de Minas Gerais, aguardam a construção de 11 escolas de educação infantil que deveriam ter sido iniciadas em 2013, depois da liberação de R$ 17,05 milhões do Programa Pro-Infância, do governo federal. No entanto, o sonho de ter acesso à educação esbarrou na desistência da Construtora Casa Alta, vencedora de licitação da União, que assinou o contrato com a prefeitura da cidade há seis meses e fez apenas a terraplenagem, o piso do estabelecimento e uma parte do muro do terreno, em apenas um dos empreendimentos. Em outubro, abandonou totalmente a construção, quando as obras já deveriam estar concluídas, de acordo com o contrato firmado.
Uma realidade que não se restringe à Prefeitura de Montes Claros, mas passa por vários outros estados onde a Construtora Casa Alta assinou contratos com o governo federal. O atraso nas obras, a falta de pagamento dos trabalhadores e materiais expostos ao tempo são o que se vê em Limeira (SP), onde deveria ser erguida a creche Residencial Village. Segundo a prefeitura, a obra foi terceirizada pela empreiteira e está paralisada desde fevereiro. A situação também não é diferente no município paulista de Itararé, onde a Creche Jardim Alvorada foi paralisada porque a construtora que assumiu o empreendimento, a RRV Construção Civil, nem sequer tem os equipamentos necessários para o início da obra.
Já no Paraná, o município de Sengés deveria estar, desde o ano passado, com 75% da obra do Centro Municipal de Educação Infantil pronto, mas, em agosto, tinha apenas 10%. A situação das construções das creches assumidas pela Casa Alta contrasta, no entanto, com a vitalidade financeira da empreiteira. De acordo com balanço, a empresa cresceu 1.500% entre 2009 e 2014, depois que passou a integrar o quadro de executores de programas do governo federal, como o Minha casa, minha vida e o Pro-Infância. “Há 35 anos no mercado, a Casa Alta acaba de conquistar um importante título em sua história: foi a construtora que mais cresceu no último ano, conquistando a sétima posição de maior empreiteira do país em volume de metros quadrados construídos, segundo o ranking Inteligência Empresarial da Construção (ITC)”, informa o site oficial da Casa Alta, em abril. Ainda segundo a página virtual, a companhia, fundada em 1978, tem escritórios em Brasília, Florianópolis, Porto Velho, Bauru (SP) e Campinas (SP), além de manter obras em oito estados brasileiros.
Procurada pela reportagem do Estado de Minas, a Construtora Casa Alta, informou, por meio de assessoria de comunicação, que não localizou o engenheiro responsável pela obra em Montes Claros e não esclareceu o que houve nos demais casos citados.
DRAMA
Enquanto as obras não saem do papel, as famílias de baixa renda que precisam das creches continuam sem ter a quem recorrer. É o caso da cozinheira Suzana dos Reis Silva, de 34 anos, moradora do Bairro Novo Delfino, na região próxima ao Bairro Santa Lúcia, onde a creche de Montes Claros seria construída, mas está no piso até hoje. Suzana é mãe de Gabriela, de 3, e relata que, desde o segundo semestre do ano passado, tenta, mas não consegue encontrar vaga para a filha em alguma instituição mantida pelo poder público.
A cozinheira argumenta que, por falta de estrutura, continua desempregada. “Preciso trabalhar, mas, sem a creche, não tenho com quem deixar a minha filha”, afirma Suzana. Ela disse que, há dois meses, teve uma oferta de emprego numa casa de família, mas foi impedida de aceitar o serviço por causa da falta de um local para deixar a menina. Suzana disse ainda que precisa do emprego para ajudar no custeio das despesas da casa, pois a família paga R$ 380 de aluguel por mês e sobrevive apenas com a renda do marido, Roberto Barbosa Silva, que ganha R$ 900 mensais como operador de máquina em uma fábrica de cerâmicas.
Em frente à obra parada da creche, o operador de produção Paulo Silva Norberto também torce para que os serviços sejam retomados o mais rapidamente possível. Ele pensa no futuro do filho, Nicolas Pietro, de 6 meses, e na necessidade de aumento da renda da família. Ele disse que a mulher, a estudante Andressa Silva Soares, de 17, pretende começar a trabalhar assim que completar a maioridade. “Mas ela terá que deixar nosso filho em algum lugar. E vamos precisar da creche”, conta.
Prefeitura assume obras
O prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz (PRB), explica que o contrato com a empreiteira Casa Alta foi assinado em outubro de 2013, com a previsão de entrega das obras em outubro de 2014. O chefe do Executivo municipal explica que o pacote das 11 creches foi licitado pelo governo federal, cabendo à prefeitura apenas assinar um termo, concordando em repassar os serviços para a empresa, que elaborou um projeto-padrão de creches do Programa Pro-Infância para todo o país, construídas com PVC.
No entanto, segundo o prefeito, passaram-se mais de seis meses da assinatura do contrato e a construtora não fez nada. Muniz relata que, em meados de 2014, procurou a Casa Alta e cobrou o cronograma dos serviços. Depois disso, em 4 de agosto, a empreiteira iniciou os serviços em uma das creches, a do Bairro Santa Lúcia, no valor de R$ 1.567.969, com capacidade para 240 crianças e previsão de término este mês. No entanto, foram feitos somente a terraplenagem, o piso do estabelecimento e uma parte do muro do terreno. Em outubro passado, a empresa abandonou os serviços, que continuam paralisados.
ANULAÇÃO Ruy Muniz informa que o contrato com a Casa Alta foi anulado e agora, por conta própria, a Prefeitura de Montes Claros vai realizar outra licitação para a construção das 11 creches, que, juntas, vão garantir a abertura de 2.240 vagas de ensino infantil para crianças de até 5 anos.
“Ao que parece, a Construtora Casa Alta era especializada em obras do programa Minha casa, minha vida e assumiu obras do Pro-Infância em todo o país. O problema é que não deu conta de cumprir o contrato. Lamentável que isso tenha ocorrido em uma área tão importante, que é o ensino infantil”, afirma o prefeito. Segundo ele, o objetivo é concluir as obras ainda este ano. (LR e MCP)