As medidas socioeducativas aplicadas a jovens infratores levam em consideração o histórico e as condições de vida dos adolescentes.
Os profissionais envolvidos neste processo ouvidos pela Agência Brasil reclamam, entretanto, que nem todos os instrumentos fornecidos pela legislação são usados na prática. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) inclui possibilidades que vão desde a cobrança legal de envolvimento dos pais no processo até a utilização da semiliberdade – medidas que atualmente são subutilizadas. Para esses especialistas, alterar a legislação para infratores – com a redução da maioridade penal – sem aplicar a lei atual de forma plena não faz sentido.
O juiz titular da 4ª Vara da Infância e Juventude da cidade de São Paulo, Raul Khairallah de Oliveira e Silva, diz que faz determinações para que os pais de infratores cumpram medidas socioeducativas – entre elas, o tratamento psicológico, psiquiátrico ou de drogas e o acompanhamento da frequência e desempenho escolar dos filhos –, mas elas dificilmente são cumpridas. “Quando o adolescente responde por ato infracional, não é só ele que está respondendo. Responde ele e os pais ou responsáveis”, ressalta. Mas, segundo ele, a maioria dos magistrados não aplica nenhum tipo de medida aos pais. “E as medidas que eu aplico , muitas vezes, não são executadas porque o Estado não é estruturado para isso”, acrescenta.
Apesar das dificuldades em responsabilizar os pais pela conduta dos filhos, os infratores chegam às audiências acompanhados de responsáveis.
Vice-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático, o promotor da infância Tiago Rodrigues vê problemas na aplicação das medidas voltadas aos próprios adolescentes. Segundo levantamento feito por ele na Promotoria da Infância de Juventude da capital, os infratores ficam, em média, pouco mais de sete meses internados. “O processo educativo não está sendo utilizado. Nós temos três anos para trabalhar esses adolescentes.
De acordo com o promotor, a falta de vagas é uma das razões para que as internações não tenham a duração necessária para um efetivo trabalho de reeducação dos infratores. “Neste momento, nós tememos que, infelizmente, a superlotação e a necessidade de abertura de vagas estejam abreviando o período de internação”, diz Rodrigues que critica ainda a pouca utilização de recursos como a semiliberdade, quando o jovem estuda e trabalha durante o dia, voltando para a unidade de internação apenas para dormir. “Nós não vamos conseguir mudar essa realidade simplesmente alterando o período máximo de internação ”, acrescenta ao descartar que a redução da idade penal possa trazer benefícios ao processo de reinserção social.
Enquanto esperava a audiência do filho Ivan*, de 17 anos, acusado de estupro, o vigilante Roberto* disse que preferia que o filho recebesse uma medida de liberdade assistida. “Ele nunca tinha dado problema em relação a isso. Eu preferia que ele tivesse liberdade assistida para ter um acompanhamento, para que ele entenda a responsabilidade, o que ele fez. Porque eu acho que se ele ficar preso não vai mudar nada”, ressaltou o pai, que até voltou a estudar para poder acompanhar de perto o desempenho do filho. “Ver o que ele está fazendo, para ele não cabular aula. Só que eu vi como era a escola. Era para ter cinco aulas e só tinha uma. Vários professores faltando.
As medidas que liberam a volta gradual do jovem ao convívio social permitem, segundo o promotor Rodrigues, uma avaliação mais precisa do processo socioeducativo. pode observar um comportamento natural do adolescente e ver se houve um progresso no processo socioeducativo, ou não”, destaca.
A liberdade assistida, entretanto, apresenta outros desafios para os jovens. Depois de cumprir um mês de internação provisória por roubo, o adolescente Gustavo*, hoje com 17 anos, conta que sofreu preconceito ao retornar à escola. “Alguns professores implicavam comigo. Eu tive um trabalho extra. Todo trabalho que eu fazia, não ganhava a nota mínima de cinco. Isso me prejudicou. O que me salvou foi a feira cultural em que eu consegui tirar dez”, relata sobre os problemas que enfrentou para conseguir concluir o último ano do ensino médio.
O técnico socioeducativo Danilo Ramos confirma a versão de Gustavo*. Com base nos oito anos de trabalho no Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (Cedeca) em Sapopemba (zona leste da capital paulista), ele diz que os jovens que cumprem medidas de semiliberdade ou liberdade assistida tendem a sofrer perseguição no ambiente escolar. “O menino é visado. Qualquer coisa que ele faz, ligam aqui ou para a família. E fica um embate. Com isso, o jovem acaba abandonando ”, conta..