Jornal Estado de Minas

Após 15 anos do sequestro do ônibus 174, pai de vítima ainda aguarda indenização

Pai da refém assassinada não recebeu um centavo da indenização determinada pela Justiça. Procuradoria Geral do estado alega que só pode efetuar o pagamento após a expedição do precatório

Agência Estado
Sequestrador Sandro do Nascimento negocia com a policia enquanto segura uma das reféns, Luana Guimarães - Foto: ANTONIO SCORZA/AFPQuinze anos após o sequestro do ônibus 174 na Rua Jardim Botânico, zona sul do Rio, Gilson Gonçalves, pai da refém assassinada, não recebeu um centavo da indenização determinada pela Justiça. O governo do estado do Rio foi condenado a pagar R$ 50 mil e uma pensão vitalícia de três salários mínimos, mas a Procuradoria Geral do Estado alega que "só pode efetuar o pagamento após a expedição do precatório, o que ainda não ocorreu".
Na tarde de 12 de junho de 2000, a professora Geisa Firmo Gonçalves, de 21 anos, saiu da favela da Rocinha (zona sul) com a amiga Damiana Nascimento de Souza, então com 40, para descontar cheque de R$130 em agência bancária no Jardim Botânico. Era o pagamento pelo trabalho de artesanato que fizeram para o Dia dos Namorados, encomendado pelo shopping Fashion Mall, em São Conrado, perto da Rocinha, onde moravam. "Pegamos o ônibus juntas e infelizmente fomos separadas também juntas", disse Damiana.

Após quase cinco horas de ameaças e torturas aos onze reféns, o sequestrador Sandro do Nascimento, sobrevivente da chacina da Candelária (1993), desceu do ônibus agarrado a Geisa, apontando o revólver para ela. No desfecho da negociação, o soldado Marcelo Oliveira dos Santos, de 27 anos, do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar (PM), avançou na direção dos dois com um fuzil e atirou, atingindo Geisa de raspão. Sandro e ela caíram no asfalto, e o criminoso disparou três vezes contra a professora.

Damiana sofreu um derrame dentro do ônibus, durante o sequestro. Ficou quase seis anos sem falar e andar. "Quando voltei a falar, ninguém entendia nada, mas fiz fonoaudiologia e melhorei. Foi uma vitória. Vivo um dia após o outro. Não recebi nada do estado até hoje, nem uma aspirina", disse ela, que era agente comunitária e trabalhava em creche da prefeitura na Rocinha. Se aposentou por invalidez. Aos 55 anos, conta que Geisa tentou protegê-la.

"Ela me jogou debaixo do banco, queria me esconder." Não adiantou. Damiana teve o revólver colocado dentro de sua boca - Sandro ameaçou uma estudante da mesma forma e simulou um assassinato.

"Se ele (Sandro) quisesse matar a gente, teria matado. Mas não queria. Ele queria torturar. Colocou a cabeça da Janaína (outra refém) nas minhas pernas e ameaçou explodir. Teve um momento em que perguntei: 'Por quê?' Ele falava da mãe assassinada, que a gente não sabia o que ele tinha passado nos presídios e nas ruas. Disse que não podia ser preso, porque seria morto. Quando ameaçava matar a gente, dizia que a última bala seria dele."

Sandro foi asfixiado e morreu no carro da PM, a caminho da delegacia. Dois anos depois, os cinco PMs que o acompanharam no camburão foram julgados e absolvidos. A reportagem tentou contato com os policiais por meio do advogado Clovis Sahione, que os defendeu à época, mas eles não deram entrevista. Sahione disse que o capitão que chefiava o grupo deixou a PM. Procurada, a corporação não informou onde os outros policiais trabalham. O coronel José Penteado, que comandou toda a operação, se aposentou. O soldado Marcelo dos Santos deixou a corporação.

Liberado por Sandro, o refém Carlos Leite Faria desceu do ônibus pela janela e foi preso por policiais sob acusação de ser comparsa do assaltante. Há 3 anos, ganhou ação por danos morais na Justiça e foi indenizado em R$ 60 mil. "Ele estava com um relógio no pulso e outro no bolso, da filha, que levava para conserto. Na visão da polícia, isso configurava a suspeita. Foi um pesadelo. O caso 174 é um exemplo de como não se deve atuar, em todos os aspectos", disse o advogado de Faria, João Tancredo.

O advogado Delano Cruz, que representa o pai de Geisa, radicado no interior do Ceará, lamentou o atraso na indenização. "Quinze anos depois, a família não recebeu nada, apesar de não caber mais recurso. É retrato da falta de efetividade das decisões judiciais. Houve erro da polícia, por isso o estado foi condenado em 2012, mas nunca entrou em contato, não tem o menor interesse. Não paga e fica por isso mesmo, lamentavelmente." Geisa virou nome de escola em Fortaleza (CE), onde nasceu e foi sepultada, em funeral com cerca de 3 mil pessoas. Sandro foi enterrado como indigente, um mês após o sequestro.