Paraty, 05 - Política, extremismos e tráfico internacional de drogas foram algumas das questões de destaque no penúltimo dia da Festa Literária Internacional de Paraty, que começou com um impasse: quem substituiria o italiano Roberto Saviano. Pela quantidade de perguntas que a mediadora Paula Miraglia recebeu, o público parece ter gostado da solução da curadoria, que escalou dois jornalistas que vivem no México e acompanham a questão das drogas em toda a América Latina. E o britânico Ioan Grillo e o mexicano Diego Enrique Osorno foram unânimes ao dizer que a guerra ao tráfico, como se tenta fazer há quatro décadas, é um modelo esgotado. Para eles, a solução é atacar economicamente os cartéis, ou seja, legalizando as drogas. Tratar o assunto como uma questão política e de saúde pública, e não de polícia, também ajudaria, disseram.
Mas, antes de o debate chegar a esse ponto, Osorno falou sobre Saviano, que minutos antes havia aparecido em vídeo, que a organização não teve tempo de legendar em sua totalidade. Foi exibido, assim, um pequeno trecho em que ele dizia sentir “muitíssimo” por não estar em Paraty, além de comentar as dificuldades que envolvem seus deslocamentos - ameaçado de morte pela máfia italiana, ele vive sob proteção policial - e a realidade da segurança do Brasil. Quem estiver na última mesa do festival, neste domingo (5), às 16 horas, poderá ver a versão completa.
“O que Saviano conseguiu é o que estamos tentando fazer: encontrar essas sombras escuras da sociedade, entendê-las e ter a coragem de denunciar esses acontecimentos”, disse Osorno. Para ele, Saviano, autor de Gomorra, sobre a camorra, e Zero Zero Zero, sobre o tráfico internacional de cocaína, usa a literatura a favor da denúncia e é um grande escritor.
Os dois convidados não evitaram descrições acerca do horror que acompanham: corpos empilhados, cabeças enfileiradas, cidades massacradas, estudantes assassinados. Osorno comentou que a imprensa local divulgava, todas as manhãs, um “executômetro”, chamou a situação de “pornografia do terror” e disse que as pessoas estão se tornando insensíveis a esse tipo de crime. Já Grillo contou que entrevistou alguns traficantes, que não pareciam mentalmente instáveis. “Eles se veem, em sua mente distorcida, como soldados. E isso também acontece aqui, no Comando Vermelho. E, quando começam a se ver como soldados e a decisão de matar vem de ordem superior, a responsabilidade é deles. Eles se tornam máquinas de matar. Mas não podemos chamá-los de indivíduos loucos porque soldados, em guerra, cometem atrocidades.”
Grillo, ao falar sobre sua ideia de descriminalização, perguntou quem da plateia concordava com a legalização da maconha. A maioria levantou a mão. Depois, perguntou sobre a cocaína. O movimento foi lento, inseguro, mas muitos concordaram. Em entrevista ao Caderno 2, publicada na sexta, ele disse que outro ponto a ser discutido é o tratamento adequado aos usuários.
Os dois jornalistas conhecem a realidade brasileira, e apesar dos pesares, Grillo voltou afirmar que os traficantes daqui são menos sociopatas que os mexicanos. Ele prepara, para janeiro, livro sobre quatro facções criminosas latinas, e uma delas é o Comando Vermelho. Eles também comentaram sobre a posição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - Osorno chegou a se encontrar com ele, além de políticos e empresários, há dois anos, em São Paulo. Foi quando FHC causou polêmica ao falar abertamente sobre a descriminalização.
Mais cedo, a América Latina também esteve em pauta na mesa que reuniu a crítica literária argentina Beatriz Sarlo e a jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho. “O que me dói é a corrupção que existe no Brasil”, disse Sarlo. “A diferença fundamental entre aqui e o meu país é que aqui prenderam José Dirceu; no meu país, ninguém foi preso, o vice-presidente continua sendo vice-presidente”, completou. Crítica dos governos Kirchner e estudiosa das esquerdas latinas, ela se mostrou otimista com relação à Justiça brasileira. “Há resoluções da Justiça que foram acatadas, e essa é a única maneira de enfrentar a corrupção”, afirmou.
Entre esses dois debates, os cartunistas Plantu, do Le Monde, Riad Sattouf, ex-Charlie, e o brasileiro Rafa Campos falaram sobre os limites do humor, sobre o ataque à publicação satírica francesa por grupos extremistas, e sobre a associação Cartoonists for Peace. Para Plantu, não é preciso humilhar ninguém para fazer humor com política e religião. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.