Enquanto o governo federal cata por todos os lados as oportunidades para aumentar a arrecadação combalida pela retração da economia, salta do velho baú uma proposta que entusiasma prefeitos e empresários do turismo: quase 70 anos depois de banido do país, o Congresso Nacional volta a se debruçar sobre a legalização dos jogos de azar. A estimativa é de que a proposta, aprovada semana passada pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional (CEDN) do Senado – Projeto de Lei (PLS) 186/2014 – venha representar arrecadação suplementar ao país estimada entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões. Na Câmara dos Deputados, outra comissão especial analisa o PL 442/91 e outras oito proposições, na tentativa de estabelecer o marco regulatório dos jogos no Brasil, que, desde sua proibição, corre em círculos nas duas casas legislativas.
“Será uma injeção na economia. Com os jogos iremos atrair turistas com potencial de gasto maior”, afirma o prefeito de Poços de Caldas, Eloísio do Carmo Lourenço (PT). Nessa “Monte Carlo” brasileira, a história dos cassinos é contada a partir do século 19, quando turistas em busca de tratamentos terapêuticos proporcionados pelos banhos de água sulfurosa aproveitavam as longas estações de cura para se divertir nas roletas. Voos regulares e diretos das maiores capitais brasileiras serviam a cidade, após a inauguração do aeroporto, em 1938. “Os empresários estão se preparando e há espaços já restaurados, como o Palace Cassino Hotel, que tem tradicional e emblemático salão de jogos”, diz Lourenço. E a Câmara Municipal de Poços de Caldas já discute o tema em audiência pública.
Para Caxambu, a legalização dos jogos representa a redenção da economia local. Quase 60% das receitas do município para cobrir o orçamento de 2016, estimado em R$ 86 milhões, advêm das transferências constitucionais do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). “O turismo está fraco. A nossa única opção é o Parque das Águas, com as suas 12 fontes de águas medicinais. E embora seja o maior potencial de água mineral do planeta, nós não recebemos royalties. O retorno dos cassinos abriria o leque de atrações”, considera o prefeito Ojandir Ubirajara (PP). Assim como em Poços de Caldas, o Hotel Glória de Caxambu e o Palace Hotel já estão preparados para a legalização do jogo. “Houve grande investimento para adequar as suas estruturas. Há amplos salões, restaurantes, cinemas. Agora, falta o Congresso”, diz Ubirajara. São Lourenço, que chegou a ter oito cassinos, está na corrida pela exploração dos cassinos. “Nossa rede hoteleira está pronta. Será um atrativo a mais ao nosso turismo, que já é muito concorrido”, afirma o prefeito José Neto (PSDB).
Perda de receita
A legalização do jogo é tema minuciosamente acompanhado por Marco Aurélio Lage, presidente do Sindicato de Hotéis de São Lourenço e Região e proprietário do Hotel Brasil, onde o ex-presidente Getúlio Vargas costumava se hospedar na cidade. Marco Aurélio acompanha a exploração em todo o mundo há mais de três décadas. “Setenta por cento dos frequentadores do Conrad Punta del Este Casino Resort são brasileiros. Perdemos receita para o mundo inteiro, principalmente Las Vegas”, diz, sustentando ser a frequência de turistas naquela cidade americana de 41,1 milhões ao ano, quase sete vezes mais do que recebe o Brasil. Só no ano passado, os cassinos do Uruguai movimentaram US$ 235 milhões, empregando 1.200 pessoas, segundo dados do Casinos del Estado Uruguay, órgão ligado ao Ministério da Economia e Finanças do Uruguai.
Segundo estudo da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação, entre todos os países da América do Sul os jogos não estão legalizados apenas no Brasil, Cuba, Guiana, Guiana Francesa e Bolívia. E, considerando os 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), em 75% deles há marco regulatório da atividade. Esse é um debate velho conhecido do ex-deputado federal e hoje prefeito de Araxá Aracely de Paula (PR), que, na década de 90, relatou o único projeto aprovado pela Câmara nos últimos 69 anos. Mas a matéria parou no Senado. “As pessoas saem para jogar no exterior, quando não o fazem em casas clandestinas aqui”, afirma Aracely de Paula. “À época, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil teve uma posição muito branda, entendendo o cunho social e moralizador da matéria. As maiores resistências vieram da Caixa, que monopoliza as loterias no país, e de segmentos que trabalham na sombra dessa atividade ilegal. É preciso regulamentar. E que seja logo, pois a clandestinidade leva à corrupção”, diz Aracely.