Jornal Estado de Minas

Em duas décadas, vai faltar mão de obra e impostos vão pesar mais no Brasil


"Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração". A música da Copa de 1970 traz lembranças contraditórias. E, sobretudo, mostra o contraste entre o Brasil de quase meio século atrás e o atual. Éramos um país sem liberdade política, com muita desigualdade social, ruas cheias de crianças brincando e um crescimento econômico pujante. Hoje, vivemos em uma democracia. Com 205 milhões de habitantes, somos um país de renda média alta, para padrões internacionais. Mas o nosso crescimento populacional é pífio. E também o econômico.

O país ainda tem muitos jovens, graças ao aumento populacional do passado.
Assim, há muita gente hoje tendo filhos. A cada 19 minutos, nasce um novo bebê entre o Oiaopoque e o Chuí, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parece muito, mas não é. A população cresce 0,83% por ano. É quase metade do ritmo que se via em 2001, de 1,40%. No início da década de 1960, quando atingimos o auge, o aumento anual era de 3%. O crescimento do número de habitantes tende a zero e, depois, à queda.
Para o IBGE, a população vai atingir o ápice em 2043, com 228.343.224 habitantes. A partir daí, começará a se reduzir. Teme-se que a economia empaque. "A população é importante para fazer a bicicleta andar", resume a demógrafa Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Para Ana Camarano, a inflexão virá mais cedo, por volta de 2035. Mas o momento de se preocupar com o problema é já. Passa da hora, alertam especialistas, de nos prepararmos para as mudanças de que o país necessita. O Brasil do futuro terá muito mais idosos do que hoje, o que representará um desafio para o pagamento de aposentadorias, para a assistência médica e até mesmo para o urbanismo. Em 2001, 5,68% dos brasileiros tinham mais de 65 anos.
Hoje, essa faixa etária concentra 7,90% do total de pessoas.

Em 2060, limite das projeções do IBGE, serão 26,77%. Despencou até mesmo o número de filhos nascidos nas famílias mais pobres, mas elas ainda são as que têm a maior prole. É indispensável, dizem especialistas, que essas crianças cheguem à idade adulta em condições de trabalhar para a própria prosperidade e a do país. Para isso, é necessária uma rede de proteção social que permita às famílias mandar as crianças à escola. E que, com um ensino público de qualidade, elas não passem tempo à toa nas salas de aula.

Ana Maria Bueno, 45 anos, moradora de uma casa precária de Itapirapuã (GO), tem cinco filhos entre 12 e 25 anos. Os netos são três. Não devem passar muito disso. Sua filha Débora, de 22 anos, tem um filho e está grávida. Pretende ligar as trompas depois do parto."Eu queria já ter parado no primeiro, sofro muito para cuidar dele", diz ela, que depende da pensão paga pelo pai da criança, em atraso. A transição demográfica está mostrando seus efeitos com maior clareza hoje, mas não começou recentemente.
A fecundidade, número de filhos que as mulheres têm ao longo da vida, vem se reduzindo há décadas. Dez anos atrás, já estava em 2,09, abaixo de 2,1, nível para manter a população estável - assim, cada casal tem, em média, dois descendentes, com uma margem de segurança para compensar as pessoas que morrerão antes de chegar à idade reprodutiva.

Da explosão demográfica à implosão


Pouco tempo atrás, era comum falar em explosão populacional. Agora a conversa é outra: a implosão demográfica. O medo é que, em um mundo com poucas pessoas, seja mais difícil para as empresas encontrar mão de obra e também consumidores; que o número menor de contribuintes faça os impostos se tornarem ainda mais pesados; e que, com menos pessoas trabalhando, o sistema de aposentadorias entre em colapso.

O ritmo de crescimento do número de pessoas já caiu muito a partir da segunda metade de século 20. Entre 1960 e 1965, o aumento médio por ano da população atingiu o ápice: 2,06%. No quinquênio seguinte, já baixou. E não parou de cair. De 2010 a 2015, o incremento foi de apenas 1,18%, quase a metade do que se via cinco décadas atrás.

Quando o aumento populacional estava no auge, nos anos 1960 e 1970, muitos países introduziram políticas para limitar esse avanço, incluindo a disponibilzação de cirúrgias de esterelização de homens e mulheres mais pobres.
Houve muito controvérsia em torno disso, sob o argumento de que, por trás disso, havia preconceito contra os pobres e até mesmo racismo.

A China adotou a regra mais radical: casais só poderiam ter um filho. Exceções para um segundo filho existiam no caso de duas pessoas que não tinham irmãos. Há dois meses, porém, o país anunciou uma mudança histórica: todos podem ter dois filhos. Mas tornou-se difícil reverter a tendência de as famílias terem apenas três pessoas. “Sem dúvida, o maior contraceptive que existe é o desenvolvimento, principalmente o aumento no nível de educação das mulheres", afirma Colin Lewis, professor da London School of Economics and Political Science (LSE).

As previsões são de que a população mundial continue crescendo, embora a um ritmo menor, para além de 2100. A Organização das Nações Unidas (ONU) prevê que haverá 11,2 bilhões de pessoas no fim deste século, no cenário mais provável. Na estimativa com maior possibilidade de crescimento, o total iria a 13,29 bilhões. E na de menor taxa, ficaria em 9,47 bilhões de pessoas, já em franca trajetória de queda - o pico populacional ocorreria em 2070, com 9,66 bilhões de habitantes sobre a Terra.

Muitos analistas consideram, porém, essas previsões otimistas demais, por ignorarem a velocidade das transformações que o planeta atravessa, com a crescente urbanização dos países mais pobres. O risco é que em meados deste século ocorra o ápice da população mundial, com 8,2 bilhões de pessoas, e a partir daí a população comece a cair. Caso a inflexão ocorra ainda neste século, será um evento histórico de primeira ordem, um marco milenar..