São Paulo, 12 - Pacientes com fibrose cística em São Paulo, que dependem de medicamentos de farmácias de alto custo, reclamam da falta de pelo menos 14 tipos de remédios em todo o Estado. Há 14 anos, uma lei estadual obriga o governo de São Paulo a fornecer medicamentos para o tratamento da fibrose cística, doença hereditária que causa problemas pulmonares crônicos e insuficiência pancreática. A Secretaria Estadual de Saúde informou que são "desabastecimentos temporários", causados por aumento inesperado de demanda, atraso por parte do fornecedor, logística de distribuição do Ministério da Saúde, pregões "vazios" ou pregões "fracassados".
De acordo com a associação que representa os pacientes, há 850 pessoas com fibrose cística cadastradas nas sete farmácias de alto custo no Estado. Faltam remédios em seis unidades: São Paulo (2), Campinas, Ribeirão Preto, Botucatu e São José do Rio Preto. Remédios básicos, ingeridos diariamente, estão na lista dos faltantes nas farmácias de alto custo e não são vendidos no Brasil. É o exemplo das Enzimas Pancreáticas - de nome comercial Creon -, que auxiliam na absorção dos nutrientes, e do Dornase Alpha (Pulmozyme), inalatório que fluidifica o muco instalado nos pulmões dos pacientes, evitando infecções bacterianas. Fora do País, uma caixa do Pulmozyme para consumo mensal chega a custar cerca de US$ 3 mil (aproximadamente R$ 12 mil).
Segundo a chefe do ambulatório de fibrose cística da Santa Casa, Nívea Damaceno, faltam medicamentos desde dezembro. Ela diz que, sem os remédios, vai aumentar o número de internação por desnutrição e dificuldades respiratórias. "Sem a medicação necessária, as pessoas vão ter crises respiratórias e vão precisar ser internadas prontamente", explicou.
"A falta de medicamento agrava muito a qualidade de vida e a sobrevida desses pacientes, que já é limitada pela própria doença. O que mata na fibrose cística são as complicações respiratórias. Sem o medicamento, você está expondo e deixando de tratar o conjunto", explicou. "Estamos vivendo uma onda em que falta quase tudo e, quando chega, o número é insuficiente para a demanda".
O jornal O Estado de S.Paulo telefonou nesta quarta-feira, 10, para a farmácia do Ambulatório Médico de Especialidades (AME) Dr. Geraldo Bourroul, onde foi informado que faltavam o Creon e o Pulmozyme. A atendente disse que estavam "aguardando entrega", mas não deu prazo para recebimento.
Depende das medicações dessa farmácia o paciente da Santa Casa, Gabriel, de 13 anos, filho da gerente de marketing Paola Massari, de 48. A cota mensal de remédios do jovem chega ao fim neste sábado e Paola não tem perspectiva de quando terá as medicações em mãos. Ela conta que, em 13 anos, nunca faltaram tantos remédios para fibrose cística simultaneamente.
"A alfadornase é um remédio inalatório que fluidifica o muco, a pessoa tosse e o muco sai. Esse é diário. Se falta esse remédio, é complicado porque é um foco de bactéria pulmonar. É um problema sério. E é a primeira vez que começa a faltar desse jeito", afirmou. Paola explica que pacientes cadastrados em uma farmácia não podem retirar medicamentos em outra unidade, o que dificulta a busca.
Mãe de João Pedro, de 12 anos, a jornalista Suzana Dias reforça que, desta vez, a falta de medicamentos é "atípica". Faltava uma vez ou outra, mas "nada comparado" ao que está acontecendo desde janeiro. "Está havendo uma falta generalizada e sem nenhum sinal de que volte a normalizar", disse.
O caso de Suzana é ainda mais grave porque, diferentemente de Paola, ela não conseguiu pegar a cota de janeiro. Com a falta dos medicamentos, vai continuar sem os remédios em fevereiro. Tal como Gabriel, o filho João Pedro é paciente da Santa Casa e, portanto, também tem cadastro na farmácia do AME Dr. Geraldo Bourroul.
"O que fiz foi perguntar à farmacêutica se ela não poderia solicitar um empréstimo de outra farmácia. Ela fez isso uma vez no ano passado. Pediu, na ocasião, algumas caixas de alfadornase e consegui assim. Dessa vez, ela me disse que pediu emprestado nas outras duas, mas eles estavam com estoques baixos e não emprestaram", afirmou.
Levantamento realizado no dia 2 de fevereiro pela Associação Paulista de Assistência à Mucoviscidose (APAM), representante dos pacientes, apontou falta de medicamentos em seis das 7 farmácias de alto custo que fazem distribuição para pacientes com fibrose cística. O caso mais grave é o da farmácia com pacientes do Hospital São Paulo: são 10 medicamentos faltantes. Segundo a pesquisa da APAM, são 14 medicamentos faltantes no total de farmácias.
"Com a falta desses medicamentos, as crianças serão obrigadas a ser internadas. E o custo para o Estado será ainda mais alto", afirmou Marco Antônio de Paula, presidente da APAM e pai de um jovem de 18 anos com fibrose cística. Segundo ele, a Associação está se organizando para mover uma ação coletiva na Justiça com o objetivo de garantir os medicamentos "o mais rápido possível".