O Estado de S.Paulo
falou com a professora de Antropologia da USP Heloisa Buarque de Almeida, que coordenou o programa USP Diversidade quando vieram a público os casos de estupro na Faculdade de Medicina.
Nós vivemos numa cultura de estupro? O que isso significa?
Para entender o que isso tem a ver com o Brasil, é preciso pensar no tipo de produção cultural que a gente tem, que por um lado naturaliza a desigualdade entre homens e mulheres e por outro torna as mulheres objetos e traz a ideia de que o homem não consegue se conter. Como se o homem fosse uma espécie de bicho descontrolado. O que não é verdade porque, se fosse assim, todos os homens seriam predadores sexuais. Um caso clássico é o de uma propaganda de cerveja do carnaval do ano passado que dizia deixei o não em casa, que sugere que a mulher diz não, mas no fundo quer dizer sim. As pesquisas com violência contra as mulheres mostram que o estupro é muito mais comum do que a gente imagina, acontece de modo muito mais corriqueiro. Estudo recente do Ipea calculou que 10% a no máximo 30% dos casos são de fato denunciados. Isso porque vivemos numa sociedade que nutre a ideia que se uma menina denuncia um estupro, a primeira coisa que acontece é cair a culpa sobre ela.
Muita gente tem dito: em vez de ensinar a menina a não ser estuprada, tem de ensinar os meninos a não estuprar. É só uma questão de educação?
A primeira coisa que tem de acontecer é punir os agressores. Hoje pune-se muito pouco esse tipo de caso. Muitos dos BOs que fizemos de casos na Universidade de São Paulo nem sequer foram investigados. Mas não basta punir. Educação é fundamental. É urgente falar de gênero na escola. Quando um menino pequeno está na escola, chora, e o pai fala: homem não chora, bata no menino que bateu em você, ele aprende que não pode expressar seu sentimento a não ser pela agressão. É ainda dominante uma cultura que os meninos têm de saber se defender. A gente ensina a se expressar pela violência. Tem de educar os meninos a ser amigos das meninas.
E isso aparece também no discurso de artistas, políticos.
É assustador que esse caso venha à tona num dia em que vemos o Alexandre Frota, que contou como piada na TV uma cena de estupro, indo ao Ministério da Educação.