São Paulo, 30 - O Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF/ES) denunciou à Justiça três pessoas pela explosão no navio-plataforma FPSO Cidade de São Mateus, navio de bandeira panamenha operado pela norueguesa BW Offshore, terceirizada da Petrobras. A explosão, ocorrida em 11 de fevereiro de 2015, a cerca de 40 quilômetros da costa, na região de Aracruz, litoral norte do Estado, deixou nove tripulantes mortos e outros 26 feridos, um deles gravemente.
Segundo a Procuradoria da República, os filipinos Ray Alcaren de Gracia, gerente da plataforma, e Bernard Vergara Vinãs, operador de marinha, e o russo Litvinov Vadim, superintendente de marinha, são acusados de homicídio doloso (assumiram o risco de causar a explosão e suas consequências) por nove vezes; uma lesão corporal grave; e por outras 24 lesões corporais, tudo em concurso formal de delitos. Eles podem pegar até 30 anos de prisão caso sejam condenados pela Justiça à pena máxima.
As investigações mostraram que o navio-plataforma FPSO Cidade de São Mateus, utilizado para explorar direitos petrolíferos titularizados pela Petrobras sobre o campo de Golfinho, precisava passar por reparos em praticamente todos os seus tanques. Um deles, o 6C, deveria ser esvaziado e ter seu conteúdo consubstanciado em uma mistura de água e condensado (gás liquefeito) para outro tanque. Essa operação foi executada por Vadim e Bernard e se deu normalmente até a véspera da explosão.
No entanto, segundo as apurações, como a taxa de escoamento estava bastante inferior à desejada, no dia 11 de fevereiro, Vadim passou a determinar diversas alterações operacionais não precedidas de análise de riscos, incompatíveis com o projeto operacional do navio e não comunicadas ao gerente da embarcação, Ray Gracia, que havia embarcado naquele dia.
O Ministério Público Federal ressalta, ainda, que, "após esse fato, Vadim continuou numa sucessão de atitudes arriscadas com objetivo de esvaziar rapidamente o tanque 6C, dando ordens a Bernard, mesmo este tendo-o questionado e alertado sobre o perigo de suas ações".
"O superintendente de marinha, inclusive, valeu-se de sua sobreposição hierárquica e exigiu imediato uso de uma linha que não havia sido projetada para transferência de substâncias liquefeitas; determinou, ainda, o fechamento de uma válvula, mesmo sabendo que ela não havia sido alinhada ao sistema de gestão de mudança (MOC), a fim de que pudesse ser implementada sem riscos", afirma a denúncia da Procuradoria da República.
Vazamento
A denúncia da Procuradoria sustenta que "houve excesso de pressão, suportado por todas as demais válvulas, com exceção de uma, a OP-68, que havia sido irregularmente fechada por uma peça fora dos padrões necessários para o sistema". E foi nesse ponto, segundo os laudos, que teve início o processo de vazamento da substância identificada como "condensado", que em contato com o ar atmosférico passa a liberar gases altamente explosivos.
Em razão do vazamento, chegou a soar o alarme de detecção de excesso de gás instalado na casa de bombas, por duas vezes. Por conta disso, Ray deu início ao plano de emergência, e somente nesse
momento começou a se informar sobre o esvaziamento do tanque 6C. Ray determinou a formação de uma equipe para verificar a casa de bombas e, ao ser informado do vazamento, assumiu o risco de não ser mais avisado sobre novas concentrações de gases ou a exasperação daquelas já constatadas, uma vez que determinou o desligamento do sistema de alarmes.
Para o MPF/ES, resta claro que o risco assumido impossibilitou a percepção de que três alarmes de gás diversos indicaram que o limite do inferior de explosividade (LIE) havia atingido 100%, ou seja, a situação no local de vazamento estava em iminência de explosão em virtude dos níveis elevados de inflamáveis. Resta claro também que Ray deixou de determinar a evacuação do navio e determinou a realização de reparos no local do vazamento sem antes adotar os procedimentos de segurança necessários, assumindo o risco de causar a explosão.
Como ainda não foi possível identificar o responsável pela instalação da peça fora dos padrões na válvula OP-68, haverá continuidade nas investigações.
Por fim, ficou evidenciado que pouco antes da explosão funcionários que não integravam a comissão de resposta à emergência formada foram liberados para o almoço. Por tal razão, estavam sem os equipamentos de segurança necessários e em locais inadequados para situação de perigo.
Perdão judicial
As investigações mostraram, ainda, "que Bernard Vergara Vinãs foi o agente que, no exercício de sua função de operador de marinha, executou as ordens ilegais e arriscadas de Litvinov Vadim, seu então superior hierárquico, mas não sem antes tentar dissuadi-lo".
Depois que os alarmes soaram, ele, inclusive, ao contrário dos demais gestores, se dirigiu pessoalmente à casa de bombas para tentar impedir a explosão, e acabou severamente atingido pelos efeitos da explosão - foi submetido a cirurgias e convive com sequelas. Sua integridade psicológica também foi severamente atingida, já que viu seus companheiros de trabalho serem arremessados contra o navio e ao alto, enquanto queimavam-se vivos.
O Ministério Público Federal no Espírito Santos considera, portanto, que as condutas de Bernard não são tão reprováveis quanto as dos demais denunciados. "Ademais, parece bastante evidente que as consequências dos delitos foram suficientemente graves para sancionar Bernard, o que tornaria excessiva a aplicação de sanções criminais em seu desfavor", diz a denúncia.
Por isso, parece legítimo ao MPF/ES a aplicação analógica dos artigos 121, §5º e 129, §6º, ambos do Código Penal, para o fim de conceder a Bernard Vinãs o perdão judicial.
A denúncia, assinada pelo procurador da República Guilherme Virgílio, foi ajuizada na Justiça Federal em Linhares nesta segunda-feira, 30 de maio.