Vitória – Os mineiros Marcelo Dornelas, de 43 anos, Roseli Ferreira, de 31, Rogério Aparecido, de 42, e Mozart Dutra, de 37, tiveram uma semana tensa e agitada no Espírito Santo, onde a greve da Polícia Militar mudou rotinas e desmoronou planos. Marcelo, que pretendia passar a semana no litoral, deixou Belo Horizonte e retornou no meio do caminho ao tomar conhecimento da onda de violência no que seria seu destino.
Rogério, que partiu do Barreiro para vender artesanato na praia, foi furtado em Vitória. Roseli, casada com um militar capixaba, passou os últimos dias em frente ao batalhão onde o marido trabalha, em Ibatiba. Já Mozart, que trocou Nanuque há 14 anos pelo estado vizinho, foi designado pela empresa de segurança em que trabalha para proteger um quiosque na orla de Camburi.
“Saí da capital na segunda-feira passada e não cheguei a Meaípe (praia de Guarapari). Dormi em cidades próximas, pois o dono da pousada me telefonou e me recomendou não ir até lá. Hoje (quinta-feira), decidi voltar para BH. A viagem não foi como planejei. Acredito que há até grupo de extermínio lá. Tenho medo”, justificou Marcelo, em Reduto, no Leste de Minas, durante a viagem de volta à capital. Corretor de imóveis, ele conta que dormiu em cidades próximas ao balneário na esperança de que a segurança pública fosse restabelecida durante a semana.
Marcelo tem poucas recordações do passeio quando o assunto é o mar. O mais próximo que chegou do balneário famoso foi de uma placa, no estacionamento do restaurante onde almoçou na quinta-feira, indicando o caminho para Guarapari e Vitória. A decisão dele, sensata na opinião de outros mineiros que abortaram a viagem, não foi seguida por Rogério, um artesão que mora no Barreiro de Baixo.
Empolgado com a oportunidade de conquistar parte do dinheiro de turistas que invadem o Espírito Santo nesta época do ano, ele arrumou a mala e enfrentou os perigos das BRs 381 e 262 para chegar a Vitória. Foi de carona ao litoral. Três dias para chegar a Camburi, cartão-postal de Vitória, onde encontrou lojas fechadas. Algumas foram saqueadas.
O artesão mesmo conta porquê: “Fui furtado enquanto descansava. Alguém levou minha mala. Nela estavam o celular, dinheiro, camisas, calças, cuecas e até o material que eu usaria para fazer artesanato. Sobrou apenas a roupa do corpo. Por isso, seu repórter, vou lhe filar um cigarro. Não sei como voltarei para o Barreiro.” Pai de duas filhas, ambas casadas, ele conta que o Espírito Santo, “pelo menos nestes últimos dias, não está tão seguro como antigamente”.
Rogério passou a noite de quinta-feira na praia. Dormiu ao lado de um quiosque. O sono foi interrompido pelo ronco dos motores de caminhões do Exército. Mas nem isso impediu Mozart, o segurança, de testemunhar assaltos e vandalismo durante a semana. “Deixei Nanuque para procurar emprego. Tudo que tenho devo ao Espírito Santo, mas, nos últimos dias, vi coisas erradas. Vi saques a lojas. A capital está perigosa. Temos de ficar atentos o tempo todo”.
‘Plantão’ por salário e dignidade
A mineira Roseli Ferreira, dona de casa que nasceu em Lajinha, no Leste do estado, passou a semana em frente ao batalhão onde o marido, militar, trabalha. Ela é taxativa em dizer que o protesto das mulheres em favor dos aquartelamentos dos militares capixabas, embora gere sensação de insegurança, é para o bem da sociedade. “O movimento não é apenas por um salário melhor. Também por condições mais dignas de trabalho. Meu companheiro, por exemplo, já pagou conserto de viatura”, afirmou.
Ela e outras mulheres se revezam em frente ao batalhão em Ibatiba, onde o calor acelera a deterioração de dezenas de viaturas já danificadas e que se tornaram berçários de insetos. Roseli e as amigas montaram uma tenda, literalmente, em frente ao batalhão, impedindo os militares de saírem. Roseli é amiga de dona Eunice Cândida Silva, mãe de um militar aquartelado.
Revoltada com o valor do soldo do rapaz, ela discursou em defesa do movimento: “Nossos filhos não têm sequer coletes à prova de balas. Não há gasolina para as viaturas”.
A fala dela foi endossada por um militar mineiro que trabalha na corporação capixaba numa cidade vizinha a Ibatiba. “Não vou revelar o meu nome por temer represália. Mas digo que já paguei combustível do meu bolso para a viatura. O comandante, há poucos dias, precisou ir a um município próximo, a trabalho, e foi abastecer a viatura. Sabe o que ocorreu? O cartão da corporação estava zerado. O oficial teve de desembolsar o dinheiro”, revelou o policial mineiro.
As mulheres passam o dia e a noite conversando sobre vários assuntos. Comentam, por exemplo, a decisão do prefeito, Luciano Salgado, em proibir por decreto a venda de bebida alcoólica durante a manifestação da corporação.
Enquanto isso...
...repórter passa aperto
A ausência de militares nas ruas do Espírito Santo na última semana foi um prato cheio para criminosos. Na sexta-feira, a reportagem do Estado de Minas foi intimidada por dois homens armados, em Nova Almeida, balneário frequentado por moradores de Belo Horizonte e interior. Dois rapazes, cada um com uma arma de fogo na cintura, pararam na Avenida Tancredo Neves, uma das principais do lugar, sobre bicicletas. “Tem algo aí?”, questionou um deles. Diante da resposta negativa, ficaram alguns segundos parados. Foram embora ao verem outras pessoas se aproximando.