Família de menina morta no Rio de Janeiro questiona bala perdida

Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, foi vítima de três tiros na tarde de quarta-feira em um tiroteio envolvendo policiais militares

Mãe de Maria Eduarda, Rosilene está desolada: 'Não tenho mais meu bebê' - Foto: PAULO CARNEIRO/AGENCIA O DIA/ESTADAO CONTEUDO RJ


Rio de Janeiro – A família da adolescente Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos, morta com três tiros na tarde de quarta-feira, questionou ontem a alegação de bala perdida. Ela foi assassinada com dois tiros na cabeça e um no tronco dentro da Escola Municipal Daniel Piza, em Acari, na Zona Norte da cidade, quando treinava com a equipe de educação física. Em 2015 e 2016, a garota colecionou medalhas em competições estudantis na cidade do Rio de Janeiro. Mais habilidosa no basquete, ela sonhava se tornar atleta profissional e se preparava para isso na escola.

Enquanto aguardava a liberação do corpo da adolescente no Instituto Médico-Legal na manhã de ontem, a família relatou que não havia operação policial no momento dos tiros. “Bala perdida é um tiro, e não três”, disse o irmão, Daniel Conceição. Com as medalhas e o uniforme da filha nos braços, a mãe da adolescente, Rosilene Alves Ferreira, desesperou-se enquanto era consolada: “Eu não tenho mais o meu bebê”. Um parente da garota revelou que a família pretende processar o estado.

Segundo a PM, no momento em que Maria Eduarda foi baleada, policiais e bandidos se enfrentavam no Conjunto Habitacional Fazenda Botafogo, próximo à escola. Ainda não se sabe se o disparo que a matou saiu da arma de um PM ou de um dos traficantes.
Os PMs, do 41º Batalhão (Irajá), estão presos no batalhão prisional da PM em Niterói, no Grande Rio.

“É muita revolta, indignação. Pela posição em que ela estava e os policiais estavam, não é preciso ser perito para entender e ver a lógica do fato. Duas crianças que estavam com ela contaram como aconteceu. Foi uma covardia tremenda. A escola é localizada numa comunidade de risco. Pessoas que têm treinamento e qualificação não podem atirar assim”, disse um dos irmãos da menina, Uidsom Alves, professor de luta, no Instituto Médico-Legal.

Tiros Testemunhas contaram à família que policiais, do outro lado de um rio, atiraram na direção de homens que estavam perto da escola. Esses tiros, segundo os relatos, teriam atingido a quadra da escola e a sala da direção, no segundo andar. Professores contaram a mesma versão e acrescentaram que tentaram proteger as crianças e os adolescentes nos corredores. Mas a turma que estava na quadra estava mais exposta. A Divisão de Homicídios da Capital, da Polícia Civil, investiga o caso, e a Polícia Militar informou por meio de nota que PMs do 41º Batalhão (Irajá) foram chamados e entraram em confronto com criminosos na Rua Prefeito Sá Lessa, na Fazenda Botafogo, próximo ao Rio Acari. Um fuzil e uma pistola foram apreendidos pela polícia.

Daniela Conceição, uma das irmãs de Maria Eduarda, mora em Japeri e sempre se preocupou com a insegurança na região. “Ela estava sempre lá em casa, e a gente falava: ‘Maria Eduarda, toma cuidado’. A gente tentava levar ela lá pra casa porque sabia que não tinha segurança nenhuma.
Mas lá ela tinha a mãe”, lamenta Daniela, que conta como a violência já fazia parte do cotidiano da adolescente na escola. “Ela dizia: ‘Não, irmã, quando a gente vê que tem tiro, a gente já se abriga, deita no chão’. Eles lá tinham os meios de se esconder. Só que como não era uma operação, estava em aula normal”.

ROTINA DE RISCO E MEDO Representante dos professores no conselho da escola, o professor de história Leonardo Bruno da Silva conta que a unidade passa por situações de risco praticamente toda semana, exigindo que os professores tirem os alunos de sala e os levem para os corredores. “Acaba quebrando a lógica do trabalho que a gente faz.” Professor de Maria Eduarda, ele chorou ao se lembrar da transformação da menina com o trabalho pedagógico e esportivo na escola. “Ela era a percepção de que a educação funciona. Chegou rebelde na escola, com um comportamento adverso, e atuamos fortemente. O esporte atuou fortemente sobre ela, e ela se transformou em uma criança espetacular. Ela transmitia luz”, desabafou. “Ela representava um pouco do que é a alegria de ser professor.”

O corpo docente da escola sofre com o medo da violência e o reflexo disso é a dificuldade de preencher vagas.

Com mais de 700 alunos, o colégio não conta com um inspetor, porque, segundo Leonardo, pessoas convocadas para o cargo se recusam a assumir um posto naquela localidade. A direção já havia pleiteado à gestão anterior do município que o muro da escola fosse aumentado, para dar mais proteção.

Ontem, foram presos os dois policiais militares que aparecem em um vídeo executando dois homens numa calçada do Bairro de Acari, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Eles foram autuados por homicídio qualificado. Um dos policiais é o cabo Fábio de Barros Dias, que estava na operação com o sargento David Gomes Centeno. Fábio Dias é investigado em inquérito da Divisão de Homicídios (DH) que apura a morte de uma menina de 11 anos, em dezembro de 2013. Maria Eduarda Sardinha foi baleada na Favela Para Pedro, em Irajá, na Zona Norte do Rio.

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