São Paulo, 16 - Voando baixo, bem baixo e muito lento, o pequeno avião de um só motor vindo do interior da Bolívia cruzou a fronteira aérea do Brasil quando o amanhecer ainda era apenas uma penumbra. Seguiu o curso de um rio, depois o trajeto de uma estrada secundária - e então topou com um A-29 Super Tucano, duas metralhadoras .50 nas asas, despachado do aeroporto de Dourados, em Mato Grosso do Sul, pelo Comando de Operações Aeroespaciais da Força Aérea Brasileira, em missão de interceptação.
As duas aeronaves entraram em um procedimento (veja o gráfico) regido pela Lei do Abate que permite, desde 2004, derrubar a tiros os ilícitos; aviões irregulares, não identificados, sem plano de voo, em silêncio de rádio. Nesse dia do fim de maio as coisas terminaram bem. O piloto acatou as instruções, reativou a comunicação, pousou na pista indicada pelo A-29 e apresentou os documentos, com validade vencida. O avião foi apreendido e multado. A investigação prossegue.
As manobras evasivas adotadas no deslocamento do intruso dentro do espaço brasileiro - pouca velocidade e altitude reduzida - são as mesmas seguidas pelo pessoal do tráfico de drogas para escapar dos radares da Força Aérea. O ato pode ter sido um ensaio para testar a capacidade de resposta do sistema de repressão ao tráfego ilegal, sustenta um oficial do esquadrão envolvido na ação, que não pode ser identificado. Os militares dos times de Campo Grande (MS), Porto Velho (RO) e Boa Vista (RR), os mais diretamente ligados ao programa de combate aos crimes transfronteiriços, têm recebido ameaças.
Há pouco mais de três meses, desde 24 de março, essa rotina se repete ao menos quatro vezes a cada dia, em uma larga faixa de 4.700 km, a extensão combinada da linha de fronteira do Brasil com o Paraguai e a Bolívia, rota da entrada de 70% da cocaína transportada por via aérea para ser distribuída em São Paulo e Rio.
O processo pode ser duro. No dia 25 de junho um Super Tucano interceptou o bimotor PT-IIJ em Goiás, na região de Aragarças. O invasor recebeu a ordem para aterrissar no aeroporto local. Todavia, no momento do pouso, arremeteu, tentando escapar do caça.
Meios. Bem antes da interceptação, o bimotor já havia sido visualizado pelos operadores do radar móvel TPS-B34, capaz de rastrear vários alvos simultaneamente em um raio de 475 km e deslocado para dar suporte à Ostium. Talvez tenha entrado também nas telas do Centro Integrado de Defesa e Controle do Tráfego, o Cindacta 2, de Curitiba, e nos consoles a bordo do grande jato E-99 de alerta avançado, avião-radar do Esquadrão Guardião. A operação mobilizou meios nunca antes empregados conjuntamente.
Os drones RQ-450, aviões sem piloto, do Esquadrão Horus, podem permanecer horas no ar, rastreando as rotas e os pontos de apoio das aeronaves irregulares. Um pequeno avião pode voar muito devagar e rente ao solo, dificultando a intervenção dos Super Tucano. Nesse caso é acionado o helicóptero de ataque AH-2 Sabre, com canhão de 23 mm, para executar a interdição. Os esquadrões atuam a partir de suas bases regulares. Grupos especiais foram deslocados para Cascavel (PR), Foz do Iguaçu (PR) e Dourados (MS). Os radares móveis estão em Chapecó (SC) e Corumbá (MS).
A bordo do principal recurso da Ostium, o A-29 - um avião de US$ 5,5 milhões na versão da FAB, comprada há 12 anos - estará um oficial sob as ordens de um tenente-coronel.
Custo
Para chegar ao Super Tucano, os oficiais passam pela Academia da Força Aérea, em Pirassununga (SP), e depois pelos centros de formação especializada em Natal e Fortaleza. Nos esquadrões operacionais, são mais três a quatro anos treinando ataque ao solo, combate aéreo, o uso do capacete com sistema de visão noturna, o captador de imagens térmicas e a liderança de grupos de combate. Até o topo da formação, no comando de supersônicos como o F-5M ou o bombardeiro leve A1-M AMX, o preparo de cada aviador terá custado até US$ 2,3 milhões. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Roberto Godoy).