Vistos como forma de entretenimento por alguns, os óculos de realidade virtual estão sendo utilizados também no tratamento de problemas de saúde, como traumas e fobias. Pesquisadores de duas universidades brasileiras já utilizam a tecnologia na assistência a pessoas com estresse pós-traumático ou medos, como o de avião.
A técnica virou uma aliada ao tratamento convencional para esses tipos de transtorno, baseado em sessões de terapia cognitivo-comportamental, nas quais o paciente é orientado a reviver as situações que lhe trazem medo ou angústia.
"Na terapia tradicional, a gente faz o paciente entrar em contato com as memórias por meio da imaginação e do relato. Ao ser 'exposto' à situação novamente, a ideia é que ele, aos poucos, construa uma nova memória do acontecimento e que essa memória não venha mais acompanhada pelo medo", explica Christian Kristensen, professor titular do programa de pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O problema, diz o especialista, é que algumas pessoas têm dificuldades em reviver essas lembranças só na imaginação. Em palestra realizada no World Congress on Brain, Behavior and Emotions - congresso sobre o cérebro realizado em Porto Alegre no mês passado -, Kristensen apresentou detalhes sobre o trabalho que tem feito com vítimas de assalto a bancos.
"No cenário criado para o software, o paciente pode se colocar no lugar de gerente, caixa do banco ou cliente. Ele passa por uma série de situações características de uma agência bancária até que entra um personagem e anuncia o assalto", conta ele. "As primeiras versões dos cenários que trabalhamos eram menos requintadas. O que começamos a usar no ano passado tem um nível de interação maior. Até os postes e placas de rua do entorno da agência lembram a cidade de Porto Alegre", diz o especialista.
Os pacientes passam por seis sessões semanais da chamada terapia de exposição por realidade virtual, além de sessões de terapia convencional. De acordo com ele, uma possibilidade do tratamento é a pessoa se expor à situação real, mas isso tem riscos, porque o terapeuta não está presente. E, se houver novo episódio que provoca estresse - como outro assalto -, as memórias traumáticas ficarão muito consolidadas. Recuperação.
A realidade virtual ajudou a bancária Fabiana Albernard Silveira, de 41 anos, a retomar parte de sua rotina após sofrer cinco assaltos. "O pior episódio foi em 2012, quando os bandidos entraram com fuzis, botaram a arma na minha cabeça, me chutaram, balearam um segurança e quebraram a mandíbula de outro", conta ela. Mesmo após o roubo, a gaúcha continuou trabalhando no ramo, mas foi vítima de outros três roubos.
Chegou a ser transferida para uma agência dentro de um shopping, onde acreditava estar mais segura, mas acabou vítima de um novo assalto. Em 2014, entrou em licença por causa de um quadro de estresse pós-traumático. "Tinha emagrecido 12 quilos, não dormia. Fiz tratamento, mas só no ano passado conheci a terapia de exposição por realidade virtual. Me ajudou a reviver a situação de uma maneira segura. Só depois disso que eu consegui ir a uma agência bancária novamente. Já fui duas vezes ao shopping, saí com amigos", conta Fabiana.
No Laboratório de Trauma e Medo do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a realidade virtual já foi usada de forma experimental com motoristas de ônibus que passaram por situações que causam estresse - como assaltos, sequestros ou atropelamentos - e começa a ser utilizada também na assistência a pacientes com medo de avião.
"Em agosto, deveremos iniciar um estudo com cerca de 80 pessoas no qual metade vai fazer só a terapia e a outra metade também contará com o auxílio da realidade virtual", conta Paula Ventura, professora associada dos Institutos de Psicologia e Psiquiatria da UFRJ e coordenadora de laboratório.
"Por meio dos óculos, a gente consegue simular desde o saguão do aeroporto até o momento do voo, com episódios como tempestades e turbulência."Ela diz que estudos internacionais mostraram que, para essa situação, o uso da realidade virtual tem se mostrado mais eficaz do que somente a realização da terapia.
"A situação de imersão que a pessoa se coloca faz o cérebro entender que está vivendo novamente aquela realidade de forma não ameaçadora", afirma Paula."O trauma que fica após uma série de assaltos é muito grande. Parei de sair desacompanhada, trouxe meus pais para morarem comigo, ficava achando que qualquer pessoa na rua poderia ser um bandido.
(Fabiana Cambricoli)