São Paulo, 17 - Após quatro adolescentes terem sido retirados de um centro socioeducativo em Fortaleza (CE) e mortos a tiros, um relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) - órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos - recomenda que o Ministério Público do Ceará adote "medidas cabíveis" contra o governador Camilo Santana (PT) e aponta "graves violações de direitos humanos" contra adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no Estado.
O órgão solicita também que o MPE faça uma representação contra o superintendente estadual de atendimento socioeducativo Cássio Franco por improbidade administrativa e apure os inquéritos sobre homicídios de adolescentes nas unidades. Ao Ministério Público, também é solicitada a instauração de investigação sobre denúncias de tortura e maus tratos sofridos por adolescentes nas unidades.
As recomendações estão em relatório divulgado nesta quinta-feira, 16, por três órgãos: além do CNDH, assinam ainda o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC).
Na madrugada de Segunda-feira passada, dia 13, um grupo de 15 homens armados invadiu o Centro de Semiliberdade Mártir Francisco, no bairro Sapiranga, em Fortaleza, onde adolescentes cumpriam medidas socioeducativas.
Os criminosos renderam os seguranças e seguiram para o dormitório onde estavam as quatro vítimas, entre 12 e 17 anos. Os adolescentes foram arrastados para fora. Eles foram espancados e mortos com tiros na cabeça. Dois deles tiveram as mãos arrancadas a golpes de faca e facão.
O relatório do CNDH é resultado de visitas realizadas nos dias 17 e 18 de agosto em unidades do sistema socioeducativo do Estado para monitoramento da situação.
O Conselho identificou que "persistem graves violações de direitos humanos nas unidades de internação do Ceará, como por exemplo, a ausência de oferta educativa regular para os adolescentes, o emprego de revista vexatória e de algemas de maneira abusiva, além de longo tempo de confinamento de adolescentes, que chegam a ficar 23 horas e 45 minutos por dia encarcerados, em dormitórios com estrutura de cela".
O documento mostra ainda que foram diagnosticadas denúncias de violência institucional sem apuração e atraso processual na vara responsável pela execução das medidas socioeducativas, que estaria mantendo os adolescentes internados por mais tempo do que o determinado.
Em nota, a Superintendência Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), do governo do Ceará, informou que ainda não foi comunicada oficialmente sobre o relatório e que por isso não se manifestaria sobre as recomendações. Procurado, o Ministério Público do Estado não havia se manifestado até a publicação desta matéria.
Apelo internacional
O relatório foi apresentado na segunda-feira em Brasília aos dois representantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), James Cavallaro e Esmeralda Arosemena, que cumprem agenda oficial no Brasil esta semana e realizam visitas a unidades de internação. O documento será novamente apresentado aos comissários nesta sexta-feira, 17, em Fortaleza.
Em 31 de dezembro de 2015, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) - vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA) - concedeu medidas cautelares alegando que os adolescentes do sistema socioeducativo de internação no Ceará "estão em situação de risco devido a condições precárias de detenção".
Na ocasião, segundo o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, "o cenário de violações denunciado à época para a Comissão Interamericana apresentava, além da ocorrência de repetidas rebeliões e conflitos, violência institucional, episódios de tortura, maus tratos e superlotação. Este cenário se estendeu e chegou a se agravar ao longo de 2016".
A CIDH acolheu a denúncia e solicitou ao governo federal a adoção de medidas para garantir a "integridade pessoal" de adolescentes privados de liberdade, forneça condições adequadas em termos de infraestrutura e pessoal e reduza "substancialmente" o número de internos nas unidades para evitar superlotação.
No relatório divulgado nesta quinta, os órgãos afirmam que as medidas cautelares não foram implementadas.
"O cumprimento destas ações pode ser comprovado através do relatório de inspeções ordinárias realizado pela 7ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Fortaleza (MPCE), produzido em parceria com a Universidade Estadual do Ceará (UECE), durante os meses de setembro e outubro do corrente ano, onde ficou registrado que houve avanços significativos nas referidas unidades", diz a secretaria em nota.
(Juliana Diógenes).