Codó e Timbiras, MA, 10 - Raquel (nome fictício) observa a massinha de modelar entre as mãos e brinca de criar formas enquanto fala sobre o dia em que foi estuprada aos 10 anos, em Cajazeiras, distrito onde mora na zona rural de Codó (MA). O rapaz, então com 19 anos, fugiu. Ela engravidou. A médica disse que não tinha espaço para sair o bebê por parto normal, então fiz cesárea, conta. A filha nasceu e foi cuidada pela avó.
Aos 13, foi morar com Raimundo, um pedreiro de 35 anos que conheceu na casa vizinha. E engravidou novamente. Ela foi novamente vítima de estupro - mesmo em união informal, o caso configura estupro de vulnerável pelo Código Penal, por envolver sexo com uma pessoa menor de 14 anos.
A história de Raquel compõe o retrato de uma realidade quase invisível no Brasil, apesar de ser uma prática antiga e com dimensão global: o casamento infantil. No País, há poucos dados disponíveis para dimensionar o problema.
Segundo o primeiro estudo feito no País especificamente sobre o tema, realizado pelo Instituto Promundo entre 2013 e 2015, Maranhão e Pará são os Estados com maior prevalência de uniões precoces. O levantamento mostra que as meninas se casam e têm o primeiro filho, em média, aos 15 anos. Os homens são nove anos mais velhos.
A pesquisa sugere que o casamento de uma menina com um homem muito mais velho - o caso de Raquel - é associado a condições financeiras precárias da família da garota. O homem mais velho surge como alguém capaz de fornecer apoio financeiro a ela e aliviar sua família de sustentá-la.
Recusa do namoro.
No caso de Raquel, a mãe negou por duas vezes os pedidos de namoro de Raimundo. Ele, então, propôs algo diferente: morar e se casar com a menina. E a mãe aceitou.
Jovem parda de 16 anos, costas encurvadas, unhas dos pés pintadas de verde com desenho de flor e um jeito acabrunhado de falar, Raquel interrompe a entrevista para tirar a panela do fogo. O marido, hoje com 38 anos, está para chegar e o almoço precisa estar pronto.
Quando não está consertando televisões dos vizinhos ou tocando como DJ, Raimundo caça - verbo que faz questão de usar - no mato o de comer. Em dia bom, ele carrega nas costas um tatu peba ou uma cotia.
Por mês, a renda do casal é, em média, R$ 300. No mesmo quarto de uma casa de pau a pique dormem os dois e a filha. Raquel, entre uma gestação e outra, abandonou a escola, repetiu o 7.° ano e agora deveria iniciar o ensino médio. As aulas já começaram e ela admite que vai ser difícil frequentar a escola cuidando da filha de três anos. Já Raimundo largou os estudos na 5.ª série.
Liberdade.
A pesquisa do Promundo atribui o casamento infantil a três principais causas. A primeira é vulnerabilidade das comunidades, caracterizada por baixos níveis de
escolaridade e infraestrutura, e fraca presençado Estado. Em segundo lugar, as adolescentes querem sair da casa dos pais porque desejam começar a namorar e ir a festas e, por isso, veem no casamento uma forma de fuga das proibições dos pais. A terceira causa mais citada pelas adolescentes como motivação é a fragilidade das estruturas familiares, que leva as meninas a buscar estabilidade e segurança fora de casa.
Moradora de Timbiras (MA), Flávia casou aos 13 anos com o pedreiro Eduardo, de 20.
Quem também não quis esperar a reação dos pais e saiu de casa no mesmo dia em que o namorado pediu a mão dela foi Sarah, de 16 anos. Hoje ela mora com o marido Hugo, de 23, que trabalha na roça onde eles residem com o filho de 4 meses no povoado de Almas Sozinhas, em Timbiras (MA). Ela tinha 15 anos quando o conheceu e engravidou um mês após a vida de casada. Saí de casa mais por causa do pai.
A ânsia por liberdade, a desestrutura familiar e a vulnerabilidade das comunidades atingem também os grandes centros urbanos, especialmente a periferia. É o caso da desempregada Daniela dos Santos Alves, de 28 anos, moradora da região de Pimentas, em Guarulhos (SP). Ela engravidou e se casou aos 17, mas se arrepende. Achei que sairia daquela rotina da casa da minha, que teria liberdade. Mas não tive, até piorou. Dobrou a responsabilidade, conta.
Segundo Viviana Santiago, gerente de gênero e Incidência Política da ONG Plan International, a maioria das meninas vêm de lares conturbados pela pobreza ou de relações tumultuadas com os responsáveis. Em um contexto de meninas com acesso à escola regular e famílias que têm condições socioeconômicas minimamente equilibradas, o casamento vai descendo como opção de vida, explica. Quanto menos acesso aos direitos e à possibilidade de desenvolvimento, mais o casamento cresce como opção, inclusive de transformar essa menina em respeitável. As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo
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(Juliana Diógenes, enviada especial).