Uma retaliação de facções criminosas à possível instalação de bloqueadores de celulares em presídios, proposta que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, é a explicação que especialistas têm dado aos ataques contra órgãos públicos, ônibus e torres de telefonia no Ceará. A Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) está responsável pelas investigações. Até agora, não foram apresentadas as linhas de investigação. Até agora, seis pessoas foram presas suspeitas de participação nos incêndios e ataques aos prédios públicos.
“A gente está vivendo uma crise sem precedentes. É inegável que as facções se potencializaram no nosso estado e hoje os nossos presídios funcionam como escritórios dos crimes. Quando do anúncio da lei dos bloqueadores, houve uma reação das facções porque elas vão ter seus interesses prejudicados. Era uma reação que a gente já esperava”, diz Valdomiro Barbosa, presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (Sindasp/CE).
Além do projeto de lei, desde 2013 tramita na Justiça cearense um processo sobre a instalação de bloqueadores. Uma sentença foi expedida, em 2 de março, determinando que o “Estado do Ceará, no prazo de 180 dias, proceda à aquisição e promova a devida instalação de bloqueadores de sinal de celular em todas as unidades prisionais sob sua responsabilidade”.
Histórico
Essa não é a primeira vez em que esse tipo de ataque ocorre. Em 2016, houve ataques a torres de telefonia e um carro cheio de explosivos chegou a ser colocado na rua da Assembleia Legislativa do Ceará depois que os parlamentares aprovaram um projeto de autoria do governo que proibia as operadoras de conceder sinal de radiofrequência nas áreas de unidades prisionais do estado. A lei foi questionada, assim como regras semelhantes de cinco outros estados, no Supremo Tribunal Federal (STF), tendo seus resultados sustados.
Em nota, a SSPDS informou que também houve incêndios em duas torres de telefonia e duas manifestações com queima de pneus em duas grandes avenidas, nos bairros Vila Velha e Quintino Cunha.
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“Na época, essa questão foi minimizada, mas já era uma mostra que as facções tinham crescido no estado. Era um recado, mas não se levou muito em consideração porque Fortaleza vivia um momento em que as taxas de homicídio eram muito baixas e o governo, recém-eleito, tinha muito capital político e tentou amenizar a situação. Passados dois anos, nós vemos um retorno dessa mesma demanda por parte das facções, só que com um poder de fogo e uma capilaridade muito maior”, explica Ricardo Moura, jornalista e pesquisador do Laboratório Conflitualidade e Violência (Covio) da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Crise na segurança
Barbosa também destaca o maior poder dessas facções. Ele diz que desde 2015 o Sindasp tem alertado o governo sobre a presença dos grupos em unidades prisionais. “Mas os dois últimos governadores não cuidaram de estruturar o sistema prisional, pois investiram só em policiamento ostensivo”, critica. Ele cita como exemplos os programas Ronda do Quarteirão e o reforço ao Batalhão de Policiamento de Rondas de Ações Ostensivas e Intensivas (RAIO).
Nos presídios, cerne da atuação das facções, segundo o agente penitenciário, o deficit de profissionais desse tipo é de 4 mil pessoas e não houve incrementos nos últimos anos, ao passo que a população carcerária passou de 21 mil presos para 28,5 mil entre 2015 e 2018. Nesse período, o presidente do Sindasp afirma que “todas as grandes unidades prisionais foram separadas por facções, o que favoreceu a organização delas”. Para ele, “o gargalo da crise da segurança pública no estado está no sistema penitenciário”.
Além desse problema, a morosidade da Justiça e o enfraquecimento da polícia judiciária são outros dois elementos que explicam a crise, na opinião do Presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Carreira do Estado do Ceará (Sinpol/Ce), Francisco Lucas de Oliveira. “A gente tem uma polícia de investigação praticamente falida. Não existe investimento, temos pouco efetivo e estamos perdendo muitos para outras unidades da federação, pois aqui não há incentivo”, lamenta.
Para ele, a morte de três pessoas que praticaram ato contra a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), na madrugada de sexta (23) para sábado (24), pode ser apontada como motivo. Alvejados em troca de tiros com policiais militares, os suspeitos foram levados a uma unidade hospitalar, mas não resistiram aos ferimentos e vieram a óbito. Dois já foram identificados pela Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce): Francisco José Raniel Barbosa dos Santos e Davi Lima Pires, ambos de 19 anos.
A crise da segurança pública marca o cotidiano da população cearense, que apenas este ano viu quatro chacinas ocorrerem no estado. “A gente naturaliza uma situação de medo permanente e de uma estratégia de segurança cotidiana para as questões mais banais da vida, como ir para o trabalho ou para o lazer. A gente está se precavendo para gerir o dia a dia nosso. É algo muito terrível do ponto de vista da sociedade”, alerta Ricardo Moura.
A Agência Brasil procurou a Sejus e a SSDPS para obter mais informações sobre as investigações e as respostas das secretarias sobre as críticas feitas pelos especialistas. Até a publicação desta reportagem, não foram enviadas respostas. Até agora, seis pessoas foram presas suspeitas de participação nos incêndios e ataques aos prédios públicos.
Entenda o caso
Em Fortaleza, a Secretaria Executiva Regional IV, uma das seis subprefeituras existentes na capital, foi incendiada. Em frente à Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), um grupo fez disparos, mas a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) não confirmou se o prédio foi alvejado. Já na Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), após ataque na madrugada de sábado (24), houve tiroteio entre policiais e suspeitos. Três destes acabaram morrendo. Seis pessoas foram presas, suspeitas de estarem envolvidas com os ataques.
Em Sobral, no norte do Ceará, foi registrado um ataque com bombas caseiras à Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops) do município, que é um dos maiores do estado. Segundo o coordenador do Ciops de Sobral, Major Dias, por volta de 2h45 de hoje (25), três pessoas esperaram o momento em que os seguranças do local fizeram uma ronda para arremessar, pelos muros do fundo do prédio, espécie de coquetéis molotov. Até agora, os suspeitos não foram localizados. “Nós já levamos todo o material que foi encontrado, como as garrafas e chinelos, para a delegacia, para que a situação seja investigada. Internamente também vamos fazer a nossa investigação”, disse o major.
Em Cascavel, no litoral leste, carros que estavam no terreno do Departamento Municipal de Trânsito e de Transportes (Demutran) foram incendiados.
Em Fortaleza, ônibus foram incendiados, levando à suspensão parcial do serviço de transporte público. A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) contabilizou, até as 21h de sábado, cinco ônibus destruídos. A imprensa local já registra pelo menos sete ônibus incendiados.
Ainda na noite de ontem, a Etufor disse em nota que, “diante dos fatos ocorridos, com ataques e atos de vandalismo, os veículos irão circular em comboios com acompanhamento de viaturas da Polícia Militar e da Guarda Municipal”. Neste domingo, 25, a assessoria de comunicação da empresa confirmou à Agência Brasil que a operação especial segue em andamento. A frota veículos à disposição da população, que já costuma ser reduzida aos domingos, é ainda menor, pois parte dela segue recolhida.
PRISÕES No início da manhã, diz o comunicado oficial, três suspeitos de atear fogo em coletivos foram presos. Os três suspeitos portavam galões de gasolina e estavam nas proximidades dos locais que sofreram as incursões violentas. “A SSPDS determinou o reforço no policiamento, inclusive com apoio de helicópteros da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer)”, informou. A assessoria do órgão afirmou que os números estão sendo atualizados e que representantes da secretaria não se pronunciarão neste momento.
Mais três pessoas foram presas ao longo da manhã, suspeitas de participação nos ataques. Uma delas foi presa quando estava em uma motocicleta, portando uma pistola calibre 380, com 13 munições, no bairro Vila União. “A participação dele em disparos de arma de fogo em frente ao prédio da Empresa de Transportes Urbanos de Fortaleza (Etufor) está sendo investigada. Outros dois homens foram presos em uma motocicleta, por policiais do Controle de Distúrbios Civis (CDC) do Batalhão de Choque (BPChoque), na manhã deste domingo (25), na Avenida Presidente Castelo Branco (Leste Oeste), portando uma mochila com garrafas contendo cerca de nove litros de gasolina”, disse em nota, neste domingo, a SSPDS.
Na manhã de ontem (24), o governador Camilo Santana falou sobre o ataque à Sejus, durante ato de implantação da Unidade Integrada de Segurança em Fortaleza. Ele disse que o governo espera intensificar os serviços de policiamento ostensivo e comunitário em dez bairros da capital e que não vai aceitar “qualquer afronta de criminosos". Sobre segurança pública, defendeu revisão de leis pelo Congresso Nacional e celeridade na Justiça para diminuir a “sensação de impunidade” e “combater a criminalidade”.