Rio, 14 - Um mês depois de a vereadora Marielle Franco (PSOL) ser assassinada, com quatro tiros, aos 38 anos, em uma rua do Estácio, perto do centro carioca, sua memória é cultivada por sua família em um apartamento em Bonsucesso, na zona norte do Rio. Ali, é possível ver os vestígios da curta vida da parlamentar, das brincadeiras da afilhada, Mariah, de 2 anos, muito jovem para entender o que aconteceu à madrinha, aos porta-retratos com as fotos em que a ativista aparece sorridente, espalhados pelas estantes. Sua família continua sem a resposta que espera desde 14 de março. Querem saber quem matou Marielle.
"A gente precisa saber quem foi. Faz um mês, dá muita angústia e preocupação. A família quer essa resposta e a sociedade também", diz o pai, seu Antônio. Ele ainda está voltando à rotina na vendinha na Baixa do Sapateiro, no Complexo de Favelas da Maré, perto dali, onde vende doces, cerveja e refrigerantes para se manter ocupado.
O ataque também matou o motorista do carro em que Marielle estava, Anderson Gomes, de 39 anos. Única sobrevivente, a assessora que acompanhava a vereadora deixou o País.
Em depoimento, ela relatou não ter notado a aproximação dos atiradores. A sobrevivente se abaixou para tentar se proteger e Marielle, que usava cinto de segurança, tombou sobre ela. O veículo, que trafegava devagar, seguiu desgovernado até que a própria assessora conseguiu se esticar e acionar o freio de mão.
"Quem fez isso não imaginou a repercussão que teria e planejou tão bem que a polícia está tendo muita dificuldade para resolver. Se foi milícia (principal linha de investigação atualmente), cria muita revolta. Se não tiver medida de contenção, eles vão dominar o Rio futuramente", acrescenta seu Antônio.
A quarta-feira (quando o jornal O Estado de S. Paulo esteve na residência) é o momento mais dolorido da semana, aponta a irmã, Anielle. Foi o dia em que, de caçula, ela passou a filha única.
"Só não fomos porque estávamos as duas com conjuntivite e não queríamos passar para ela, que iria para (a universidade norte-americana de) Harvard para uma palestra em abril.
Poderíamos ter morrido também", lembra Anielle. "Eu e minha mãe fomos depor semana passada, e me pareceu que a polícia está fazendo um trabalho sério. Ninguém imaginava o que aconteceu. Uma bala que matasse o (deputado Marcelo) Freixo (PSOL) seria esperada. A luta tem sido o meu luto."
Freixo está jurado de morte há dez anos - desde que presidiu a CPI da Assembleia Legislativa do Rio sobre as milícias, que resultou em mais de 200 indiciados e na prisão de algumas das principais lideranças milicianas. Trabalhou com Marielle depois, em seu gabinete e na Comissão de Direitos Humanos da Alerj, que preside. Socióloga, ela nunca fora ameaçada, nem antes nem depois de se eleger vereadora, em 2016.
"Foi uma ação muito bem planejada. Um dos crimes contra a democracia mais graves da história do Rio, é impossível não ser solucionado", acredita Freixo. Ele perdeu, além de um quadro importante para seu partido, que seria candidata a vice-governadora em outubro, uma amiga próxima, a quem tinha como filha. "Hoje (anteontem) é meu aniversário, e Marielle planejou todas as minhas últimas festas. O tempo da nossa angústia não é o da investigação, da razão. Talvez não seja esclarecido nem em dois meses."
O vereador Tarcísio Motta (PSOL), cujo gabinete fica ao lado do que era ocupado por Marielle, diz que o clima entre os vereadores também é de muita angústia. "Quem matou Marielle? Quem mandou matar e por quê? Essas perguntas não saem da nossa cabeça e essa falta de respostas é de uma angústia dilacerante; essas indefinições nos deixam todos com medo", diz.
A família não pensa em processar o Estado, até por não saber de quem partiram os tiros. Ainda está retomando a vida, paralisada há um mês. "É muito pouco tempo e, ao mesmo tempo, mudou tudo. Catorze de março parece que vai ser sempre o dia anterior.
A irmã da vereadora vem se mantendo à frente da tomada de decisões, com a viúva, a arquiteta Monica Benício, para poupar os pais e a sobrinha. O domingo de Páscoa foi um dia especialmente penoso. Era um hábito da família toda ir - todos juntos - à missa na Igreja Nossa Senhora de Bonsucesso, perto da casa dos pais, ou na Santa Afonso, mais próxima de onde Marielle morava com Monica e Luyara. "Já estávamos pensando onde iríamos almoçar depois", rememora seu Antônio. "Fomos aqui perto mesmo e rezamos por ela." As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.
(Roberta Pennafort e Roberta Jansen).