Rio – A execução de oito crianças e adolescentes enquanto dormiam nos arredores da Igreja de Nossa Senhora da Candelária, no Centro do Rio, completa 25 anos hoje. A Chacina da Calendária, como ficou conhecido o crime, representa um dos episódios mais trágicos e tristes da história da capital fluminense.
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'Candelária nunca mais', diz papa a jovens infratoresAto lembra 20 anos da Chacina da CandeláriaChacina da Candelária completa 17 anos com passeata e críticas às políticas públicasChacina da Candelária: vítimas são lembradas depois de 30 anos do crime“Foram 25 anos ininterruptos de ações contra qualquer violência contra crianças e adolescentes. A gente faz esse ato para lembrar e para que isso não volte a acontecer”, disse à Agência Brasil Márcia Gatto, que faz parte da coordenação do colegiado do Movimento Candelária Nunca Mais.!
Na missa de sétimo dia das crianças e jovens mortos na chacina, o então arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eugênio Sales, pediu que enquanto houvesse criança sendo morta pela violência, que a data não fosse esquecida.
Primeira pessoa a chegar ao local da chacina, a artista plástica Yvonne Bezerra de Mello, que já desenvolvia trabalho de apoio àquele grupo de menores de rua, afirmou, em entrevistas, que, de 1993 pra cá, nada melhorou em relação à violência no Rio e no Brasil. “Diria que piorou. E o número de crianças sem atendimento algum aumentou; o número de crianças e jovens hoje na rua é enorme. O que vemos é uma progressão geométrica do genocídio que se pratica no Brasil contra crianças e adolescentes”, avalia. “É importante lembrar sempre. Estamos aqui não só fazendo um ato para oito crianças assassinadas, estamos fazendo um ato para 40 mil crianças assassinadas nesses 25 anos.”
Em 1993, 4,5 mil crianças entre 10 e 18 anos foram assassinadas no Brasil. Ano passado, foram 11,8 mil, de acordo com o Mapa da Violência, disse a ativista social. Criadora do Projeto Uerê, cuja origem remonta à Escola Sem Portas Nem Janelas, iniciada em 1980 para atender crianças e jovens em situação de rua, a artista plástica e defensora dos direitos humanos afirmou que as crianças continuam sem ter a proteção que está na lei, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), “mas que não sai do papel”.
Yvonne calcula que, somente nos 10 seguintes ao massacre, 39, dos 72 que integravam o grupo da Calendária, haviam morrido por causas violentas. Sandro do Nascimento, um dos sobreviventes da chacina, foi morto a tiros ao assaltar o ônibus 174 em 2000, caso que ganhou grande repercussão.
Wagner dos Santos foi o único sobrevivente da chacina. Na ocasião, tinha 21 anos. Levou quatro tiros e ajudou a identificar os policiais. Um ano depois, sofreu novo atentado e também conseguiu resistir aos ferimentos. Hoje, ele vive na Europa, para onde foi em 1994, por intervenção do ex-ministro da Justiça e secretário de Direitos Humanos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, José Gregori.
A irmã de Wagner, Patricia Oliveira, disse à Agência Brasil, que ele trabalha como serralheiro na Suíça, onde enfrentou dificuldades quando chegou como estudante, sem falar o idioma, para fazer um curso de padeiro. Hoje, ele está adaptado à vida local e é casado com uma brasileira. Segundo a irmã, ele ainda tem receio de sofrer novos atentados. “Ele tem apoio da embaixada do Brasil, como qualquer outro cidadão. Não tem nada especial”, comentou Patrícia. Wagner não pensa em voltar a morar no Brasil.
O caso Na madrugada de 23 de julho de 1993, cerca de 70 crianças e adolescentes dormiam nos arredores da Igreja de Nossa Senhora da Candelária, quando homens que passaram em dois carros atiraram contra eles. Seis menores, com idades entre 11 e 17 anos, e dois rapazes de 18 e 19 anos foram fuzilados.
Na época do crime, Wagner dos Santos conseguiu fazer o retrato falado de um dos envolvidos na chacina e os investigadores conseguiram identificar três suspeitos, que eram PMs da ativa e um quarto envolvido foi um agente expulso da corporação. Seu depoimento foi fundamental. Os quatro foram condenados pelo crime. Maurício da Conceição, conhecido pelo apelido ‘Sexta-feira Treze’, morreu durante o processo judicial e os outros três, Nelson Oliveira dos Santos Cunha, Marco Aurélio Dias de Alcântara e Marcus Vinícius Emmanuel Borges, somavam penas de mais de 200 anos de prisão.
Todos, no entanto, foram soltos antes de cumprir 20 anos. Depois de sair da cadeia, em 2012, Marcus Vinícius, considerado o principal responsável pelos crimes, foi condenado novamente pelo Ministério Público do Rio, mas nunca foi encontrado pela polícia e é considerado foragido.