"Estou emocionalmente extremamente abalado", afirmou nesta segunda-feira, o arqueólogo e antropólogo Walter Neves, que é considerado o pai de Luzia - o fóssil humano mais antigo já encontrado nas Américas, com cerca de 12 mil anos, e que muito provavelmente foi perdido no incêndio do Museu Nacional, no Rio. "Essa era uma tragédia anunciada; o poder público abandonou completamente o museu há décadas." O antropólogo classificou o incêndio de uma "tragédia para a Humanidade. "E nós teremos de prestar contas disso para a Humanidade. Será sempre uma mancha enorme para o Brasil no mundo inteiro."
Leia Mais
Defesa Civil vê risco de desabamento e mantém Museu Nacional interditadoAto no Museu Nacional reúne centena de estudantesArtistas lamentam incêndio no Museu Nacional do Rio de JaneiroDiretor do Museu Nacional diz esperar "todo apoio do governo federal"Rescaldo no museu Nacional levará mais de dois dias, diz Corpo de Bombeiros'O dano é irreparável', diz diretor do Museu NacionalO modelo dos dois componentes biológicos postulado por Neves sustenta que o continente americano foi colonizado por duas levas distintas de Homo sapiens, vindas da Ásia. A primeira onda migratória teria ocorrido há pelo menos 14 mil anos e era composta de indivíduos parecidos com Luzia, com traços semelhantes aos dos atuais negros africanos e aborígines australianos.
"Estudar Luzia revelou sua importância para o povoamento das Américas e também que não houve apenas uma onda migratória, mas duas", afirmou Neves. "Em termos de primeiros americanos, essa é a coleção mais antiga, são mais de 200 esqueletos, todos de Lagoa Santa. Vendo pela TV é complicado saber, mas acho remota a possibilidade de esse material ter sobrevivido."
Foi Neves quem batizou o fóssil de Luzia - numa alusão a Lucy, um fóssil de australopitecos de 3,2 milhões de anos descoberto no Deserto de Afar, na Etiópia, e que é considerado um dos mais antigos hominídeos de que se tem notícia. Ele se encontra hoje no Museu Nacional, em Adis Abeba. O fóssil, no entanto, é guardado em condições de segurança e apenas uma réplica fica em exposição.
"Para mim, a maior tragédia, de longe, é a perda das coleções", diz Neves. "Em muitos países, por incrível que pareça, até na Etiópia, coleções únicas, como por exemplo a Luzia, são consideradas questão de Estado: isso quer dizer que elas são mantidas em situação ideal de preservação e, para estudá-la, é preciso pedir permissão diretamente ao presidente da República."
Neves frisou, no entanto, que seria "estreito", da parte dele, salientar somente a perda de Luzia.
"A questão das coleções é muito cruel, porque ou você tem ou não vai ter nunca mais", disse Neves, se referindo especificamente às coleções egípcias e gregas, as maiores da América Latina, trazidas em parte por Dom João VI, em 1808, e adquiridas posteriormente por Dom Pedro II.