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Estado de Minas

Banheiro misto em escola pública do DF causa polêmica

A decisão de uma escola classe do Paranoá de transformar os banheiros em espaços comuns para meninos e meninas deixou alguns pais apreensivos, e o caso foi parar no MPDFT. O Correio ouviu a direção do colégio, o Conselho Tutelar e especialistas para entender a razão da medida


postado em 10/11/2018 14:08

Entrada da Escola Classe Comunidade de Aprendizagem do Paranoá: segundo a direção, banheiros mistos fazem parte de um projeto para prevenir abusos sexuais (foto: Luiz Calcagno/CB/D.A.Press)
Entrada da Escola Classe Comunidade de Aprendizagem do Paranoá: segundo a direção, banheiros mistos fazem parte de um projeto para prevenir abusos sexuais (foto: Luiz Calcagno/CB/D.A.Press)

A adoção de banheiros mistos, de uso comum para meninas e meninos, tem causado polêmica entre pais de alunos de uma escola pública do Paranoá. O caso foi levado para o Conselho Tutelar da região administrativa e acabou parando no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Agora, a Escola Classe Comunidade de Aprendizagem do Paranoá (CAP) e a regional de ensino da cidade, que possui cerca de 380 alunos de 5 a 8 anos, terão que se explicar ao órgão.

A escola enviou um documento explicando o projeto educacional ao MP na quinta-feira (9/11). Ali, explica que o banheiro misto funciona há sete meses e integra um projeto político pedagógico (PPP) mais amplo, que busca trabalhar com as crianças noções de higiene e respeito ao corpo, além de prevenir o abuso sexual. A ideia foi apresentada para os pais dos estudantes em reuniões na instituição.

Os espaços contam com boxes separados para garantir a individualidade e privacidade das crianças, e o local de lavagem de mãos é a única área realmente compartilhada. Além disso, o uso compartilhado, segundo o texto, acontece quatro vezes ao dia, com acompanhamento de um monitor. Outro detalhe é que os funcionários não podem usar esses banheiros, que são exclusivos para os pequenos.

Segundo a assessoria de comunicação do MPDFT, o relatório foi juntado ao procedimento do órgão na sexta-feira (9/11), mas ainda não foi analisado. O Conselho Regional de Ensino do Paranoá, por sua vez, ainda não se manifestou. Por meio de nota, a Secretaria de Educação apoiou a iniciativa da escola. De acordo com a pasta, não ocorreu nenhuma violação de direitos ou à individualidade dos alunos justamente porque a ida ao banheiro é acompanhada por um monitor, não há mictórios masculinos e os estudantes só podem fazer as necessidades fisiológicas nos boxes, com as portas fechadas.

"Ressaltamos que o único uso coletivo se restringe ao lavabo, onde os alunos lavam as mãos e fazem a higiene bucal, sempre acompanhados por profissionais da unidade de ensino. O perfil de uso será mantido respeitando os princípios da gestão democrática, levando em consideração a decisão tomada coletivamente em reunião com a comunidade escolar e seus representantes", informou a secretaria.

A denúncia


Apesar de o projeto ter sido apresentado aos pais que foram às reuniões na escola, o Conselho Tutelar do Paranoá recebeu, após a implementação da ideia, denúncias levadas por outros responsáveis, que se queixaram do uso compartilhado após ouvir relatos dos filhos. De acordo com o conselheiro tutelar Manoel Cardoso Magalhães, esses pais descreveram situações como a de um menino que teria olhado por baixo da divisória dos boxes, na tentativa de ver uma coleguinha fazendo xixi, e o relato de uma garotinha que disse ter visto o pênis de um aluno. Ele ressaltou, porém, que não existe registro de casos de abuso.

"Fomos lá e perguntamos se os pais sabiam. Eles nos informaram que os que sabiam eram minoria. Isso nos preocupou porque, se os pais soubessem, teriam se responsabilizado por um eventual risco. Se não sabem, acredito que há uma ilegalidade. Para ser um projeto pedagógico, a escola tem de tomar as decisões em conjunto com as famílias atendidas. Nossa preocupação é com o risco à segurança. Não podemos esperar acontecer qualquer coisa para tomarmos uma iniciativa", avalia o conselheiro.

Ainda segundo Magalhães, o Conselho Tutelar não poderia deixar de averiguar a queixa dos pais, e a intenção era resolver a questão mediante o diálogo. "Pedimos que entrassem em contato com os pais", recordou. O conselheiro disse, ainda, que a regional de ensino não teria conhecimento formal do projeto, o que entra em contradição com a nota de apoio à iniciativa divulgada pela Secretaria de Educação.

O conselheiro acrescenta que o Conselho Tutelar só pretendia acionar o Ministério Público após serem esgotadas todas as tentativas de entendimento com os pais e a escola, e que um pai insatisfeito deve ter procurado o órgão da Justiça. Apesar disso, na nota emitida pelo MPDFT, a informação é a de que "a comunicação sobre o que está ocorrendo na Comunidade de Aprendizagem do Paranoá chegou ao MP pelo Conselho Tutelar, em 31 de outubro". "De acordo com os conselheiros, o objetivo de usar o mesmo banheiro por adultos e crianças, independentemente do sexo, era trabalhar a diversidade de gênero", prossegue a nota.

O que diz a escola


A diretora da instituição de ensino, Renata Resende, lamenta que o caso tenha gerado polêmica a esse ponto e afirma ter um documento assinado por pais de 180 alunos que concordaram com a metodologia de ensino da escola. Ela afirma ainda que a instituição está aberta para esclarecer aos familiares e responsáveis seus projetos educacionais, incluindo o uso compartilhado dos banheiros.

"Não temos um projeto pedagógico (específico) para o banheiro compartilhado. O projeto é sobre prevenção do abuso infantil e cuidados com o corpo. Trabalhamos com uma metodologia diferente (de outras escolas). Somos uma comunidade de aprendizagem. Trabalhamos mais por meio da execução de projetos do que por aulas expositivas. Esses projetos são construídos a partir do interesse das crianças. Estamos em uma área de vulnerabilidade social, onde abuso sexual é frequente. Nesse sentido, sentimos a necessidade de falar sobre questões ligadas ao corpo, um conteúdo previsto pela Secretaria, e sempre respeitando a faixa etária", explica Renata.

Como o projeto inclui higiene e respeito ao corpo, segundo a diretora, o banheiro acabou se transformando em um espaço pedagógico. "As crianças vão ao banheiro acompanhadas por um educador. A ideia é que a gente respeite o espaço de privacidade do outro. Quem pode tocar no corpo, quem não pode. Combinamos o uso. E isso está no nosso projeto político pedagógico. Como o banheiro é um espaço pedagógico nesse sentido, temos um olhar cuidadoso sobre o espaço”, acrescenta a diretora.

A educadora, por fim, ressalta que a escola está aberta ao diálogo com a comunidade. "Fizemos uma reunião com a presença de uma defensora pública (em 6 de outubro, após o acionamento do Conselho Tutelar), e nossa relação com a comunidade é sempre de diálogo. Entendemos que esse é um tema tabu. Estamos prontos para conversar. As famílias que nos procuraram concordaram com o projeto. Qualquer pai e mãe será bem recebido e esclarecido", afirma Renata.


O relatório enviado ao MPDFT


No relatório enviado pela escola ao MPDFT, de 27 páginas, constam fotos dos banheiros, detalhes sobre regras de uso e explicações sobre o funcionamento da escola e o projeto pedagógico desenvolvido na instituição. Além disso, em anexo, estão imagens dos nove banheiros da instituição e uma ata de 6 de outubro, dia da reunião mencionada pela diretora, com as assinaturas de diversos pais e responsáveis.

A instituição informa também ao MPDFT que o projeto de ensino foi submetido à Secretaria de Educação e à regional de ensino do Paranoá. Explica que realizam-se reuniões bimestrais com os pais e que a direção também os recebe diariamente para esclarecimentos pontuais.

O parecer da defensora pública


As últimas páginas do documento trazem um parecer da defensora pública Karoline Leal, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do DF, que participou da reunião de 6 de outubro. No texto, ela afirma que sua ida à escola foi motivada por uma "controvérsia acerca do uso dos banheiros".

Karoline, então, escreve que, inicialmente, antes de conhecer os detalhes da metodologia e da estratégia pedagógica, teve resistência ao modelo. "Contudo, verifiquei que todos os banheiros contam com cabine, não havendo mictório ou espaços que não garantam a intimidade dos alunos. O espaço comum se limita à área das pias e espelhos", prossegue a defensora. Ao fim, Karoline recomenda que sejam realizados mais eventos esclarecendo à comunidade sobre o plano pedagógico desenvolvido pela instituição.

Opinião de especialistas


Especialistas ressaltaram a importância de se explicar o plano pedagógico para a população, mas não enxergam qualquer tipo de ameaça às crianças pela iniciativa. "Se os alunos estão compartilhando apenas o lavabo, não vejo problema", afirma Carmenísia Jacobina Aires, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

Sobre os relatos dos pais, como o do caso do garoto que tentou observar a colega, a especialista lembra que esse tipo de curiosidade é comum na infância e que cabe a pais e professores conversarem e ensinarem os pequenos. "As crianças, em certa idade, têm curiosidades de ver o outro, saber como nasceu. Isso faz parte do desenvolvimento da pessoa, e pais e professores têm que ouvir e dialogar", aponta.

A professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) Leda Gonçalves, mestra em educação e doutora em psicologia, concorda. "Se a direção procurou a comunidade, não há uma atitude autoritária. Foi dentro de uma proposta pedagógica, educacional, de ajudar as crianças a construírem outras relações sociais. Temos que respeitar a instituição de ensino. Professor e diretor não estão lá brincando", avalia.

As duas professoras também concordam com a sugestão de que ocorra mais conversas entre escola e pais, para superar os temores dos responsáveis. "Se a criança comentou um problema, o pai tem de ir à escola mesmo. É a primeira coisa a ser feita. A escola, talvez, tenha que se aperfeiçoar. Mas, aí, tem que ser conversado", acredita Leda. "Talvez tenha faltado algum debate. Mas também existem decisões que a escola não pode esperar para sempre para resolver", pondera Carmenísia.


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