Jornal Estado de Minas

'Ele ejaculou em mim e disse que tinha sido uma entidade', conta mulher sobre João de Deus

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Abadiânia (GO) e Brasília — O serviço de Inteligência da Polícia Civil de Goiás investiga, desde junho, denúncias de abusos sexuais que teriam sido praticados pelo médium João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus.

À época, o Ministério Público do Estado havia encaminhado um ofício pedindo que o delegado-geral da Polícia Civil, André Fernandes, apurasse a conduta do religioso.

O trabalho dos agentes tramita em sigilo para preservar as vítimas. No entanto, com a repercussão do caso, mais mulheres quebraram o silêncio.

Dezenas de vítimas deram depoimentos à imprensa sobre abusos praticados por João de Deus, que nega as acusações.

O Correio localizou duas mulheres. Uma delas mora no Noroeste. Ela contou que o assédio ocorreu em 2006, quando buscava uma cura para a mãe. Já uma moradora de Valparaíso (GO), cerca de 37km de Brasília, disse ter sido molestada durante um tratamento contra a depressão, em 1999.


Hoje, elas garantem que vão procurar a polícia e o Ministério Público para formalizar as denúncias (leia depoimentos ao lado). Os promotores de Justiça de Goiás devem montar uma força-tarefa e pedem que as vítimas procurem a polícia. Eles darão hoje uma entrevista coletiva.

O delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Fernandes Almeida, pediu que as apurações não se atenham somente aos abusos sexuais, mas também ao exercício ilegal da medicina e estelionato — casos denunciados desde os anos 1970 e arquivados pelo regime militar. A principal missão dos investigadores será reunir depoimentos de outras possíveis vítimas.

Mesmo que as investigações tenham começado em junho, a apuração efetiva deslanchou em outubro, após a Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic) receber denúncias de mulheres que alegam terem sido abusadas. “Recebemos esse relato e instauramos o inquérito, com toda atenção, devido à complexidade do caso. As mulheres serão ouvidas pela Polícia Civil para que possamos buscar as provas necessárias para investigar com imparcialidade e com eficiência”, destaca o delegado.

O modo de atendimento denunciado pelas mulheres — encontros sozinhas com o médium após consultas espirituais — é condenado pela Federação Espírita Brasileira (FEB). A organização recomenda que o serviço não deva ocorrer isoladamente.
“Não (se) recomenda a atividade de médiuns que atuem em trabalho individual, por conta própria. Eles não estão vinculados ao movimento espírita nem seguindo sua orientação”, criticou, em nota.


Defesa

A doutrinadora espírita Maria de Fátima Nunes Eymard conhece João de Deus desde a infância. A religiosa sai em defesa do médium. “Professamos a mesma fé, sempre foi muito limpo, correto, caridoso e moralmente rico. Muito estranha e assustadora essa conversa. O João nunca fica sozinho, tem sempre uma assistência e uma corrente mediúnica com ele”, afirma.

A assessoria de imprensa de João de Deus classificou as denúncias como “falsas e fantasiosas". “A sala em questão é pública, qualquer um tem acesso a ela e jamais fica trancada. É lamentável, uma vez que o médium João é uma pessoa de índole ilibada”.
Ele já foi acusado de outros crimes sexuais, como sedução de menor e atentado ao pudor. Em nenhum dos casos, foi considerado culpado.

O médium é um dos mais famosos do país e realiza, desde 1976, atendimentos e “cirurgias espirituais”. A fama conquistou a atenção de personalidades brasileiras e internacionais. A apresentadora Xuxa Meneghel, a modelo Naomi Campbell, a apresentadora Oprah Winfrey, o ex-jogador de futebol Ronaldo Fenômeno e os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff já foram atendidos por ele.

Uma cidade abalada


O comércio do município goiano de Abadiânia, distante 90km de Brasília, está preocupado. Os moradores da cidade evitavam os carros e equipes de reportagem, que desde o início do escândalo foi sacudida pela repercussão negativa do caso. Dois pacientes internacionais — uma nova iorquina e um mexicano — defenderam o trabalho do médium João de Deus. Segundo eles, o local tem “boas energias” e os relatos de cura são incontestáveis.

O mexicano Daniel Ramon, 59 anos, está hospedado na rua da Casa Dom Inácio de Loyola. Ele visita Abadiânia rotineiramente por acreditar no poder de renovação espiritual do lugar. “Eu me sinto em paz lá, sempre fui tratado muito bem, o João sempre foi muito amável com todos. Conheço gente que não conseguiu tratar doenças com os melhores médicos dos Estados Unidos, mas saiu daqui sem nenhum problema”, disse.

Com ele, estava Viana Mauro, filha de brasileiros, mas moradora dos Estados Unidos.
Ela conta que viu sua vida mudar completamente em 10 dias após atendimentos com o médium. “Eu cheguei sem saber se acreditava em Deus, mas acabei me transformando em pouco tempo. Eu me conheci aqui e não acredito que nada de ruim possa vir de uma pessoa tão iluminada”, afirmou.

Contra a maré dos admiradores, o comerciante Ronaldo Dantas, 32, é enfático sobre João de Deus. “Se ele fosse pobre, já estava preso”, garantiu. Morador da Paraíba, ele passa alguns dias em Abadiânia para vender suas mercadorias, meias, cintos, tapetes, entre outros produtos. “Na rua dele, só amigos deles podem vender. A gente que não é empresário, que vende umas coisinhas para sobreviver, não pode nem andar na rua, porque os seguranças do João vêm e mandam a gente ir para outro lugar”, criticou.

O comerciante João da Costa, 43, está preocupado com o futuro do município. “Antes dele, Abadiânia tinha quatro táxis, hoje são mais de 80. Todo mundo aqui depende dele, querendo ou não. Não existem provas de nada contra João de Deus.
Isso tudo é um absurdo”, ressaltou.

João de Deus não mora em Abadiânia. Ele vive em uma casa em um condomínio luxuoso de Goiânia. Durante o fim de semana, o médium não esteve na Casa Dom Inácio de Loyola. A expectativa é de que ele retorne ao local na próxima quarta-feira, dia de atendimentos espirituais.

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