Há um mês, o Aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, ficou fechado por 20 minutos. Aviões não pousavam nem decolavam e 16 voos acabaram atrasados, causando prejuízos. Não era problema na pista nem mau tempo. O motivo da confusão: um drone que invadiu o espaço aéreo. Casos como esse acontecem com mais frequência e preocupam aeroportos no mundo todo. No Brasil, os terminais e as autoridades estão criando estratégias para fechar o cerco a esses equipamentos, que, segundo especialistas, podem até derrubar um avião.
Drones que voam perto dos dois aeroportos mais movimentados do País já não passam no anonimato. Um sistema, em teste em Congonhas e implementado neste ano no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, detecta a aproximação desses equipamentos e envia a localização do objeto ao centro de controle de voos. Na tela de computador dos controladores, um símbolo vermelho indica um foco de alerta.
"Toda vez que o drone adentra o raio de 7 quilômetros, uma tela ligada 24 horas alarma o funcionário (do centro de controle operacional)", explica o comandante Miguel Dau, diretor de operações do GRU Airport, concessionária que administra Guarulhos. E mesmo quem não está na sala no momento recebe o alerta, que também chega por e-mail e mensagem de celular.
"Instalamos pequenas antenas (ao redor do aeroporto) que captam todos os sinais transmitidos, como os de Wi-Fi e de rádio, misturados. A inteligência é pegá-los e entender quais são de drones", diz Eduardo Neger, diretor de Engenharia da Neger Telecom, empresa que deu origem à Drone Control. A tecnologia surgiu após pesquisas em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo Neger, como há comunicação entre o controle remoto e o drone, é possível saber onde ambos estão. "Quem dá a informação é o próprio equipamento."
Se o drone se aproxima da chamada "zona vermelha" do aeroporto, a 3 km, a preocupação aumenta. Nesses casos, explica Dau, o terminal em Guarulhos identifica a localização do controlador do drone e aciona autoridades para encontrá-lo.
Embora seja possível do ponto de vista técnico, não há autorização para abater o drone. Desde que foi ligado pela primeira vez em Cumbica, há um ano, o sistema identificou mais de 500 desses objetos zanzando pelas redondezas.
Todo o esforço para mirar os drones não é excesso de zelo. Se acerta superfícies de uma aeronave, como partes das asas ou da cauda, um drone pode derrubá-la. E, de dentro do avião, dificilmente um piloto consegue avistá-lo e desviar. O problema também aflige helicópteros.
"Um drone pequeno, de até 1 quilo, equivale ao impacto de um pássaro, que pode causar danos à turbina, com prejuízo. Mas um maior pode causar acidente", diz Jorge Eduardo Leal Medeiros, professor de Transporte Aéreo e Aeroportos da Universidade de São Paulo (USP).
Não há registro de colisões em terminais brasileiros, mas as operações tiveram de ser suspensas cinco vezes - três delas em Congonhas desde 2017. Prejuízos ao aeroporto fizeram acender o sinal amarelo. Segundo a Infraero, que administra Congonhas, testes com a tecnologia antidrone começaram em novembro de 2018. No Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio, a concessionária RIOGaleão também deve contratar o sistema nos próximos meses.
O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), da Aeronáutica, também estuda medidas do tipo. Ainda não há detalhes, mas o órgão espera colocá-las em prática este ano. "Buscamos formas de fazer a detecção, o monitoramento e a neutralização dos drones", diz o coronel aviador Jorge Humberto Vargas, chefe da divisão de coordenação e controle do Decea.
Não é brinquedo
A um clique na internet e disponível até em lojas de departamento, comprar um drone é fácil, mas levantar voo requer cuidados. É preciso registrá-lo em três órgãos: o Decea, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a de Telecomunicações (Anatel). Só na Anac, o número de equipamentos registrados chegou a 59,5 mil em dezembro - quase o dobro do registrado um ano antes.
Drones usados para recreação não podem levantar voo a 9 km de distância da pista, pelas regras do Decea. Quem desrespeita as normas está sujeito a multas e até prisão de até cinco anos. Equipamentos mais modernos já têm tecnologia interna que impede a decolagem em área irregular.
Em Campinas (SP), o Aeroporto de Viracopos aposta na parceria com quem vive ao redor. Dois drones foram vistos por perto - um este ano e outro em 2018. "Fazemos palestras nas escolas sobre perigo de balão, laser e descarte de lixo. Agora, incluímos o drone", disse Rosa Maria Brollo Fernandes, gerente de Segurança Operacional de Viracopos e vice-presidente do Grupo Brasileiro de Segurança Operacional de Infraestrutura Aeroportuária (Baist).
No Baist, que reúne representantes dos principais aeroportos do País e órgãos do governo, as discussões estão em pauta e motivaram até a criação de uma equipe específica só para cuidar do assunto. "Virou uma preocupação da aviação", diz Rosa.
‘Fiz uma manobra para me afastar’
Era verão e, de dentro do helicóptero, socorristas do Corpo de Bombeiros tentavam alertar um banhista que nadava em uma área de risco do mar do Guarujá (SP). Mas o perigo veio do céu. Quando olhou para o lado, o coronel Paulo Luiz Scachetti Júnior, que pilotava a aeronave, deu de cara com um drone. Comandante da Aviação da Polícia Militar paulista, ele estava a cerca de 30 metros de altura.
"Olhei para a esquerda e consegui avistar o drone se aproximando. Quando chegou a uma faixa de uns 30 metros de mim, fiz a manobra para me afastar." Não houve acidente - e o dono do drone nunca foi encontrado. "Ele estava me vendo? Não sei. Não conheço as intenções. Se subo, ele pode subir comigo e, pronto: bate. Há um receio. Não é confortável."
Além dos riscos a aviões, pilotos de helicópteros também sentem os impactos do céu salpicado pelos drones. São eles os que mais avistam os equipamentos porque voam em altura e velocidade mais baixas.
"Temos recebido vários relatos de avistamento de drones tanto em aproximações para pouso quanto em voos de cruzeiro. Até com risco de colisão", diz o comandante Thales Pereira, presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicópteros (Abraphe).
Há pouco mais de um ano, ele próprio viu um, na região da Barra Funda, zona oeste paulistana. "Passei voando por ele. Estava a uma altura bem próxima à da minha aeronave e a uma distância de, no máximo, 60 metros", conta Pereira, que voava à noite. "Se estivesse na mesma rota e na mesma altitude, provavelmente teria uma colisão."
Perigo
O choque com um drone, em áreas sensíveis como o rotor e superfícies que dão sustentação ao helicóptero, pode causar a queda da aeronave, segundo especialistas. Na Abraphe, orientações sobre a presença dos equipamentos já foram incluídas no curso de jovens pilotos.
"O piloto voava até um tempo atrás preocupado com urubus, fios, torres, pipas e outras aeronaves. Hoje voa preocupado com pássaros, fios, torres, mas também com drones", diz o tenente-coronel Renato Lima, comandante do grupamento aéreo da Polícia Militar da Bahia. O órgão também orienta seus pilotos e faz atividades com "droneiros" para que conheçam as regras.
Pelo mundo
Batidas
Casos de colisão não são frequentes e até hoje não houve registro de vítimas. Na Argentina, em 2017, o choque de um drone com a parte dianteira de um Boeing que voava da Patagônia a Buenos Aires causou estragos.
Prejuízos
Os problemas mais comuns são o fechamento das pistas. Anteontem, o Aeroporto Internacional de Dubai, um dos mais movimentados do mundo, suspendeu pousos e decolagens por 30 minutos. Em Londres, há um mês, o Aeroporto de Heathrow ficou fechado por uma hora. No Brasil, houve cinco casos semelhantes. Quando isso ocorre, pode haver um efeito cascata, com atrasos em outros locais.
Reações
Vários países testam tecnologias para barrar esses equipamentos. As estratégias vão desde o "corte" de sinal até o treinamento de águias para capturá-los, como na Holanda. Na Europa e nos Estados Unidos, a preocupação maior é com equipamentos terroristas.
Regras
As normas sobre a aproximação de drones em aeroportos variam entre os países. Nos EUA, é necessário autorização e existem distâncias mínimas permitidas. Há nações que sequer têm lei sobre o tema e outras, como Irã e Cuba, baniram o equipamento. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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