Marilena Ferreira Vieira Umezu, a professora de sorriso farto e cativante, que defendia o “porte de livros” como “arma” para salvar o cidadão, por meio da educação, não media esforços pela escola e seus alunos. Professora de filosofia do ensino médio, ela foi 'promovida' à função de coordenadora pedagógica da escola, porém recebia salário pelo cargo de professora, conforme o Portal da Transparência do governo de São Paulo. O último salário líquido de Marilena, registrado no site, em janeiro deste ano, foi de R$ 4.050,88.
A remuneração, no entanto, parecia pouco importar quando o assunto era dedicação. Em entrevistas desde o momento da tragédia, alunos e colegas faziam questão de destacar a dedicação e o astral sempre “pra cima” de Marilena o que, segundo eles, a levaram ao cargo de coordenadora. “Ela vivia a educação com intensidade”, disse um dos professores. “Amada” e “adorada” eram adjetivos frequentes nas falas daqueles que conviviam diariamente com Marilena.
A educadora vai faltar, em abril, a uma festa que ela e os quatro irmãos vinham planejando há alguns meses: os 80 da mãe, dona Maria. Natural de Ubá, na Zona da Mata, Lena, como era chamada pelos parentes, completaria 60 anos em agosto.
Aos 15 anos, deixou Minas com a família para morar em Suzano (SP), cidade que adotou como sua, onde se formou em pedagogia e conheceu o marido, com quem teve três filhos e duas netas. Em seu perfil no Facebook, que não está mais disponível para visualização, ela costumava postar fotos das netas, que tratava como “presentes e tesouros”.
A mãe e os irmãos voltaram para Ubá após a aposentadoria do patriarca da família.
“Está muito difícil para a família aguentar, mas Deus está dando força pra gente. Por incrível que pareça, ela (dona Maria) foi mais forte que os filhos”, afirmou Mário Ferreira, o irmão caçula, em entrevista à Rádio Educadora de Ubá.
Um dos filhos de Marilena mora na China e embarcou para o Brasil ao receber a trágica notícia da morte da mãe, a primeira vítima dos assassinos. O portão da Escola Estadual Raul Brasil estava aberto e coube a ela receber os ex-alunos Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique Castro, de 25, autores do massacre. Teria sorrido para eles, segundo relatos, certamente por tê-los reconhecido. Nem sequer poderia imaginar o crime que haviam planejado.
SORRISO FARTO
Um de seus alunos contou à BBC News Brasil que todas as lembranças que tem da pedagoga são dela sorrindo. Uma ex-estudante do Raul Brasil destaca que a imagem que ela passava era de ser uma pessoa “sempre feliz”.
Professora de português, Elo Ferreira trabalhou por 10 anos com Marilena. “Ela não era um alvo específico.
Era uma pessoa dedicada, querida e fazia tudo pelos alunos. Vivia a educação com intensidade e era generosa, colaborava com coordenadores de outras escolas da cidade", contou, também à BBC.
O amor pelos livros, que levava Marilena à biblioteca da escola sempre que encontrava um tempo livre, fez a professora comentar um assunto polêmico de forma delicada, do alto da sua sabedoria acumulada nos longos anos de dedicação à educação de crianças e jovens. Em 19 de janeiro, comentou sobre as políticas de armamento da população ao compartilhar uma imagem em seu perfil no Facebook. Dizia o texto: “Somos a favor do porte de livros, pois a melhor arma para salvar o cidadão é a educação”.
Naquele dia ou em qualquer outro, ela jamais imaginaria ser vítima de uma outra arma, disparada por dois jovens que passaram por suas aulas de filosofia, mas não aprenderam a lição. Ela se foi, mas sua mensagem viralizou nas redes sociais. Esse foi o seu maior legado.
O corpo de Marilena foi velado ao lado de outras cinco vítimas (quatro estudantes e a inspetora da escola, Eliana Regina de Oliveira Xavier) na Arena Suzano. Ela será enterrada hoje, após a chegada do filho, no Cemitério São Sebastião. A mãe e os irmãos foram para a cidade paulista para o último adeus à professora.
.