A juíza federal substituta da Justiça Militar, Mariana Queiroz Aquino Campos, abriu ação penal por homicídio qualificado, tentativa de homicídio e omissão de socorro, contra 12 militares pela morte do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de recicláveis Luciano Macedo, no Rio de Janeiro, no dia 8 de abril. A acusação foi oferecida um dia antes pelas promotoras de Justiça Militar Najla Nassif Palma e Andrea Blumm Ferreira.
"Não foram encontradas armas ou outros objetos de crime com as vítimas", ressaltam as promotoras. "Por estar revestida das formalidades legais, recebo a denúncia oferecida em face dos militares", anotou a magistrada.
As promotoras detalham que os denunciados dispararam 257 tiros de fuzil de pistola e que, somente o carro de Santos foi atingido por 62 tiros "sendo 38 de calibre 5,56mm; 12 de calibre 7,62mm; 1 de calibre 9mm; e 11 de calibre não identificado". Também foram "recolhidos no local do segundo fato, próximo a onde estava a viatura militar, 82 estojos percutidos e deflagrados, sendo 59 de calibre 5,56mm e 23 de calibre 7,62mm".
Em denúncia, afirmam que "atuando em legítima defesa de terceiros que estavam sob mira de pistolas, agiram com excesso ao efetuar, em união de esforços e unidade de desígnio, um grande número de disparos contra os autores do roubo, usando armamento de alto potencial destrutivo em área urbana". "Embora a ação dos militares fosse dirigida aos autores do roubo, por erro, vitimou pessoa não envolvida no fato, fazendo incidir a segunda hipótese prevista no art. 37 do Código Penal Militar (erro na execução)", escrevem.
As promotoras ainda sustentam que a conduta dos denunciados "desrespeitou o padrão legal de uso da força e violou regras de engajamento previstas para operações análogas, em especial o emprego da força de forma progressiva e proporcional e a utilização do armamento, sem tomar todas as precauções razoáveis para não ferir terceiros".
Ressaltaram ainda que "não existiu, naquele instante, agressão ou ameaça à tropa ou a terceiros, os denunciados, em união de esforços e unidade de desígnio, executaram uma enorme quantidade de disparos de arma de grande potencial destrutivo contra um veículo ocupado por duas pessoas e contra uma terceira pessoa, supondo, equivocadamente, tratar-se dos autores do roubo".
"A ação injustificada dos militares, além de ter causado a morte de dois civis e atentar contra a vida de outro, expôs a perigo a população local de área densamente povoada. Assim agindo, incorreram os denunciados no crime de homicídio qualificado por meio de que possa resultar perigo comum, nas modalidades consumada e tentada", afirmam.
As promotoras ainda dizem que "cessados os disparos, os militares limitaram-se a fazer o reconhecimento do local e dos feridos, sem prestar socorro imediato às vítimas, mantendo-se todos afastados destas".
Os réus:
1- Italo da Silva Nunes - 2º Tenente Temporário (OCT)
2 - Fabio Henrique Souza Braz da Silva - 3° Sargento
3 - Paulo Henrique Araújo Leite - Cabo
4. Leonardo Oliveira de Souza - Cabo
5. Willian Patrick Pinto Nascimento - Soldado
6. Gabriel Christian Honorato - Soldado
7. Matheus Sant'Anna Claudino - Soldado
8. Marlon Conceição da Silva - Soldado
9. João Lucas da Costa Gonçalo - Soldado
10. Gabriel da Silva de Barros Lins - Soldado
11. Vitor Borges de Oliveira - Soldado
12. Leonardo Delfino Costa - Soldado
Fuzilamento
Rosa dirigia seu carro, um Ford Ka sedan branco, rumo a um chá de bebê, e transportava a mulher, um filho, o sogro e uma adolescente. Ao passar por uma patrulha do Exército na Estrada do Camboatá, o veículo foi alvejado com 80 disparos pelos militares. O motorista morreu no local. O sogro ficou ferido, mas sobreviveu. O catador Macedo, que passava a pé pelo local, também foi atingido e morreu dias depois.
Inicialmente, o Comando Militar do Leste (CML) emitiu nota dizendo que a ação havia sido uma resposta a um assalto e sugeriu que os militares haviam sido alvo de uma "agressão" por parte dos ocupantes do carro. A família contestou a versão e só então o Exército recuou e mandou prender dez dos 12 militares envolvidos na ação. Um deles foi solto após alegar que não fez nenhum disparo.
Os militares teriam confundido o carro do músico com o de criminosos que, minutos antes, havia praticado um assalto perto dali. Esse crime foi flagrado por uma patrulha do Exército. Havia sido roubado um carro da mesma cor, mas de outra marca e modelo - um Honda City.
Prisão
O Superior Tribunal Militar começou a julgar, nesta semana, pedidos de liberdade de 9 militares que estão presos. O julgamento foi interrompido quando o placar estava em 4 a 1 pela liberação deles. O ministro José Barroso Filho, que pediu vista do processo, tem 10 dias para apresentar seu voto e destravar o julgamento.
Francisco Joseli Parente Camelo, Marco Antonio de Farias, Artur Vidigal de Oliveira e o relator Lúcio Mário de Barros Góes adiantaram seus votos a favor dos militares em liberdade.
O relator do pedido da defesa dos militares, ministro Lúcio Mário de Barros Góes, negou liminarmente habeas corpus no dia 12 de abril. No julgamento do mérito, ele se manifestou pela soltura. "Não emergem sobre os documentos evidências que levem a crer que a hierarquia e as disciplina militares ficarão ameaçados ou atingidos no caso de os pacientes serem postos em liberdade".
"Verifico que neste momento processual decorrido um mês dos fatos, não mais subsistem os motivos para justificar a manutenção da custódia dos pacientes, eis que as medidas adotadas pela autoridade policial revelaram-se suficientes para cessar a apontada ameaça à hierarquia militar", afirmou.
Divergência
O voto divergente, apresentado pela ministra Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, marcou o julgamento.
A ministra ressaltou que se trata de um "fato gravíssimo que tirou a vida de dois cidadãos inocentes, pais de família". "Trata-se do caso em que visível há gravidade concreta e os riscos que a concessão da liberdade trariam não só a ordem pública, mas a instrução processual."
Ela ressaltou que nenhuma troca de tiro foi constatada, ao contrário do que disseram, em depoimento, os militares presos.
A ministra ressaltou que as versões apresentadas pelos militares se trataram de "um esquema engendrado para escamotear a verdade". "O excesso e ausência dos meios moderados é evidente. A vítima confundida com um criminoso sem camisa estaria de costas. Como podem ter aberto fogo sem verificar que ela estava armada ou que apresentaria outros riscos?."