Jornal Estado de Minas

Familiares e amigos se despedem de professora morta em prédio da Secretaria de Educação


"Não é só mais um crime, é a história de vida de uma pessoa que é levada", disse Samuel Péricles Caminha Corrêa, 52 anos, irmão de Debora Tereza Correa, 43. A fala melancólica do militar mostra que ela é mais do que parte da estatística de aumento de crimes violentos contra as mulheres no Distrito Federal. Debora deixa pai, mãe, dois irmãos e lembranças em quem pôde conviver com ela. Familiares e amigos se despedem no velório que ocorre na tarde desta terça-feira (21/5), no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul.


A despedida da 13ª vítima de feminicídio no Distrito Federal este ano é marcada por dor e um sentimento de impotência. Debora tinha medida protetiva contra seu assassino, Sergio Murilo dos Santos, 51, mas isso não evitou o crime. "As medidas judiciais não estão sendo suficientes, não estão protegendo. Se alguém cometer um assalto, a Justiça vai dar um papel para o acusado dizendo que ele não pode mais roubar?", questiona Samuel.

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O irmão diz que as mulheres, vítimas de violência, se sentem sem proteção, algo que deve ter acontecido com Debora. "Ela não contou para a família sobre essas ameaças, talvez por medo do que poderia acontecer ou para nos poupar de uma preocupação", lamentou.
A irmã é descrita como uma pessoa alegre, mas reservada. Por desconhecer o histórico de violência sofrida por ela, familiares presentes no velório se despedem de forma incrédula.
 

Caridade como marca

Debora será lembrada como alguém que sempre amou e cuidou. Apaixonada pela profissão, a professora morreu no Dia Nacional do Pedagogo e é velada no Dia do Profissional de Letras, graduação que cursou na Universidade de Brasília (UnB). Em um dos seus últimos trabalhos em sala de aula, ensinou crianças com deficiências intelectuais.

"Ela chegou a trabalhar em Sobradinho com alunos especiais e eu tive a oportunidade de ver o amor dela por isso. Quando ela chegava à escola, os estudantes já abriam um sorriso enorme e demonstravam um carinho muito grande", lembrou Samuel. Quem trabalhou com ela confirma esse carinho, como Tamara de Oliveira, 46.

"A Debora gostava muito dos alunos e da profissão. Ela já deu aula na Apae e no Centro de Ensino Especial de Sobradinho, e todo mundo gostava muito dela, principalmente as crianças com deficiência", disse a professora.
Tamara contou ainda que a ficha não caiu: "Nós ficamos sabendo de muitos casos de feminicídio, mas não imaginamos que possa acontecer com alguém próximo da gente".

Amigos e familiares também lembraram que outra atitude de acolhimento da vítima vinha dentro de casa. Debora resgatava cachorros e gatos da rua para dar melhores condições de vida a eles. "Quando íamos visitá-la, sempre tinha um animal novo", lembra o irmão. 
 

O machismo que cala

Pessoas próximas a Debora listam motivos para que ela nunca tenha revelado todos os detalhes das agressões sofridas. Além das ameaças do assassino, um problema social é citado por amigas da pedagoga. "Nós vivemos um machismo estrutural, que causa muitos danos. Isso fez com que ele não entendesse que ela não queria um relacionamento e fez com que ela não relatasse tudo que sofria", alertou Ana Cláudia Souza, 39. 

Amiga da Debora desde 2007, ela fez um apelo para que a história da vítima não seja só mais uma. "A gente não pode ter vergonha de ser agredida. Hoje, uma mulher conta o que sofre e julgam.
Perguntam 'mas e o que você fez?'. Isso tem que acabar. Vamos parar de culpar a vítima para evitar novos corpos".
 
Para Ana Cláudia, agora, é hora de união em busca de soluções para os casos de violência doméstica, em ações sociais, governamentais e até individuais, para que cada pessoa reflita sobre pequenas e grandes atitudes possíveis. 
 
Às 16h, o Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinro-DF) realizou uma manifestação silenciosa no cemitério. Os educadores abriram faixas com os dizeres "Parem de nos matar!" e "Basta de feminicídio!".
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