Uma ação organizada pela Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara), em parceria com a Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Mato Grosso (OAB-MT) e outras entidades do Estado causou polêmica. Isso porque os órgãos fizeram com que crianças e adolescentes entre 4 a 17 anos desfilassem em uma passarela montada em um shopping em Cuiabá, na chamada "Adoção na Passarela". Cerca de 200 pessoas, interessadas acompanhavam da plateia.
O caso ocorreu na última terça-feira. Segundo os responsáveis, o objetivo era “dar visibilidade a crianças e adolescente aptas para adoção. E como sempre dizemos: o que os olhos veem o coração sente”, dizia o comunicado. A ideia foi duramente criticada na internet. As pessoas alegaram que o desfile expõe as crianças como mercadorias ou pets.
“Será uma noite para os pretendentes, pessoas que estão aptas a adotar poderem conhecer as crianças. A população em geral poderá ter mais informações sobre adoção e as crianças em si terão um dia diferenciado em que elas irão se produzir, cabelo, roupa e maquiagem para o desfile”, explicou Tatiane de Barros Ramalho, presidente da CIJ.
A professora de direito da Universidade de São Paulo (USP) se mostrou horrorizada com a medida. “Estou custando a acreditar que isso aconteceu. Voltamos ao tempo da venda de escravos. Não tem mais flagrante porque já aconteceu. Mas o Ministério Público tem que denunciar por violação do ECA. Eles violaram a declaração universal dos direitos da criança, a declaração universal dos direitos humanos e a declaração das metas para o milênio. É um ato bárbaro, é retroceder no processo civilizatório. Os responsáveis devem ser processados”, apontou.
Ela explica ainda que caso a instituição seja credenciada pelo fórum local, deve perder esse direito. “Não há como manter essa função. As crianças que vivem em orfanatos já tem seus traumas que levam para sempre. Aí vem mais esse da exposição, onde elas foram julgadas e apreciadas pela aparência. Isso é uma loucura. Cria a perspectiva de que elas precisam de algo mais para serem adotadas, quando não é a aparência que pesa na adoção, são outros valores. Isso faz deformação na psique. Cria um trauma da auto aceitação”, observou.
O ex-candidato à presidência da República pelo PSOL, Guilherme Boulos, também se posicionou no Twitter e considerou o desfile uma “perversidade inacreditável”. A "passarela da adoção", em Cuiabá, expondo crianças de 4 a 17 anos para a escolha dos pretendentes pais é de uma perversidade inacreditável. Os efeitos psicológicos da exposição, expectativa e frustração dessas crianças pode ser devastador, ainda que a intenção tenha sido outra".Os internautas também cobraram providências por parte do Ministério Público e do Conselho Tutelar. Já a assessoria da OAB-MT disse que na primeira edição o evento foi bem recebido e só neste ano recebeu críticas. A OAB-MT afirmou ainda que o evento tem "embasamento jurídico" e que as entidades organizadoras se reunirão para debater o caso.
A "passarela da adoção", em Cuiabá, expondo crianças de 4 a 17 anos para a escolha dos pretendentes pais é de uma perversidade inacreditável. Os efeitos psicológicos da exposição, expectativa e frustração dessas crianças pode ser devastador, ainda que a intenção tenha sido outra.
%u2014 Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) 22 de maio de 2019
O Pantanal Shopping, local onde ocorreu o evento informou por meio de nota que repudia a objetificação de crianças e adolescentes. “O Pantanal Shopping esclarece que o único intuito em receber a ação foi contribuir com a promoção e conscientização sobre adoção e os direitos da criança e adolescente com palestras e seminários conduzidos por órgãos competentes que possuem legitimidade no assunto. O shopping afirma que a ação foi promovida pela Associação Mato Grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara) em parceria com Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da OAB-MT e reitera que o evento contou ainda com o apoio do Ministério Público do Estado do Mato Grosso, Poder Judiciário do Estado do MT, Governo Estadual do MT, Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania, Sindicato dos Oficiais de Justiça, Associação Nacional do Grupo de Apoio à Adoção e Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, além do Tribunal de Justiça do Mato Grosso”, afirmou em um trecho da nota.