Das crianças que morrem atualmente no trânsito brasileiro, 40% estavam na condição de ocupantes de veículos, sendo esta, hoje, a principal forma de óbito desse público no País. Atropelamentos vêm na segunda colocação.
Números mais recentes do Datasus, plataforma de dados do Ministério da Saúde, mostram que do total de óbitos por acidentes de trânsito no Brasil envolvendo crianças menores de um ano a 9 anos de idade, 279 morreram por estarem dentro de veículos. Naquele ano, foram registrados 221 atropelamentos desse público.
Um projeto de lei que altera pontos no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), entregue pelo presidente Jair Bolsonaro à Câmara nesta terça-feira, 4, prevê que motoristas flagrados sem a cadeirinha para crianças nos bancos traseiros deixem de ser multados. Eles passarão a receber somente advertência.
Gerente executiva da ONG Criança Segura, Gabriela Guida lembra que todo ano morrem aproximadamente 500 crianças em colisões de trânsito. "Fora as que são internadas, com as quais o SUS está gastando", diz. "O governo gasta muito dinheiro por ano para atender essas crianças que se acidentaram no trânsito, fora as que morrem."
Para Gabriela, o uso da cadeirinha no banco traseiro é "a única forma segura" para transportar crianças no veículo.
Na contramão
Na avaliação da gerente executiva da Criança Segura, o fim da aplicação de multa para quem for flagrado sem a cadeirinha no banco traseiro é "muito ruim" e "vai na contramaão das recomendações internacionais".
A ONG é integrante de uma rede internacional chamada Safe Kids, que discute medidas no mundo inteiro para prevenção e redução de mortalidade infantil no trânsito. "Tudo que vemos lá fora é o contrário. Outros países estão trabalhando muito para colocar a cadeirinha na lei", diz Gabriela.
Pedro de Paula, coordenador executivo da Iniciativa Bloomberg, reforça que as mudanças envolvendo a cadeirinha infantil vai na contramão de modelos internacionais.
"A medida contraria as melhores práticas internacionais e tudo que se tem estudado e observado no campo de regulação prática e segurança viária nos últimos anos", afirma Paula.
'Tragédia'
Segundo o coordenador da Iniciativa Bloomberg, no mundo inteiro a principal causa de mortes de crianças de 5 a 14 anos são os acidentes de trânsito. "Se estamos retirando uma infração que é comprovada pela OMS e por atores internacionais, como medida levada a sério no mundo para redução da mortalidade de crianças, (o governo) está contribuindo ainda mais para uma tragédia humana de promover mais mortalidade de jovens e crianças no Brasil", afirma.
Gabriela defende ainda que somente campanhas educativas - sem a cobrança da penalidade - serão insuficientes para evitar os acidentes e óbitos no trânsito envolvendo crianças.
"Qualquer mudança de comportamento no trânsito para pegar tem, sim, que ter campanha de conscientização. Porém, tem de vir combinada com lei, autuação e fiscalização, senão o hábito não pega", afirma. "Nós sentimos muito essa mudança. Porque quem trabalha com trânsito sabe que a educação por si só não dá conta da mudança de comportamento.".