O vírus da zika é capaz de infectar o tecido cerebral de adultos - e não apenas de fetos como se acreditava. Feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o novo estudo explica complicações neurológicas apresentadas por adultos durante o surto da doença em 2015. Alguns pacientes apresentaram confusão mental, perda de memória e até dificuldades motoras.
O trabalho foi publicado na manhã desta quinta-feira, 5, na "Nature Communications", uma das mais prestigiadas revistas de divulgação científica do mundo. A descoberta revela que a infecção pode ter sérios desdobramentos, ainda desconhecidos, no longo prazo. Os recentes cortes das bolsas do CNPQ e da Capes, no entanto, devem interromper a continuidade da pesquisa, alertaram os cientistas envolvidos.
Cientistas do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho infectaram com o vírus da zika amostras de tecido cerebral de adultos humanos. Para surpresa dos pesquisadores, o vírus se mostrou capaz de infectar os neurônios e se multiplicar.
"Para tentar entender as implicações disso, passamos, então, a usar, camundongos", explicou o professor Sérgio Teixeira Ferreira, um dos coordenadores do estudo. "Constatamos que a reação inflamatória disparada no cérebro dos animais permanece muito tempo depois de o vírus não estar mais presente. A inflamação provoca ainda a degeneração das sinapses (responsáveis pela ligação entre os neurônios), interrompendo a comunicação."
Estudos feitos até hoje tinham comprovado que o vírus contraído por mulheres grávidas tinha causado má formação do cérebro dos fetos e gerado vários casos de microcefalia.
Para o pesquisador, é necessário que a pesquisa tenha continuidade, que os adultos que apresentaram sequelas neurológicas sejam acompanhados no longo prazo, para que se estabeleça o real impacto do vírus.
Outra descoberta importante do estudo foi que um medicamento anti-inflamatório atualmente usado no tratamento da artrite reumatoide pode amenizar os problemas neurológicos causados pelo vírus. Os cientistas acreditam que as descobertas podem contribuir para o estabelecimento de políticas públicas de tratamento e também para o desenvolvimento de novas terapias.
"Os bebês que nasceram com microcefalia estão sendo acompanhados, mas não sabemos o que aconteceu com os adultos", disse o cientista. "Seria muito importante acompanhar também os adultos, investigar as consequências neurológicas."
A neurocientista Cláudia Pinto Figueiredo, da Faculdade de Farmácia da UFRJ, que também coordenou a pesquisa, teme pelo futuro do estudo diante dos cortes das bolsas do CNPq e da Capes.
"Com o corte dessas bolsas, ocorre uma paralisação de toda a ciência e tecnologia do País", afirmou a cientista. "Não temos força de trabalho visto que, nas universidades brasileiras, não existem postos de pesquisadores, só de professores. Quem ocupa os postos de pesquisador são os alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado."
A pesquisadora Fernanda Aragão, aluna do doutorado, que participou do estudo, já sabe que não conseguirá renovar a bolsa. "Eu tenho bolsa de doutorado até fevereiro, quando me formo", explicou.
"Além da questão das bolsas", ressalta Ferreira, "há uma redução dramática do financiamento às pesquisas; recursos para projetos já aprovados não vêm sendo pagos".
Para o cientista, a situação é gravíssima. "Esse estudo foi iniciado em 2016, mas, posso dizer que, se estivesse sendo iniciado hoje, não teríamos condições de concluir o trabalho.".