O ano de 2019 deve apresentar uma nova queda nos indicadores de criminalidade no País, conforme apontam as prévias dos dados federais. Após um ano recorde de homicídios em 2017, quando cerca de 65 mil pessoas foram assassinadas, o número caiu 10% em 2018, tendência que se manteve no primeiro ano da gestão do presidente Jair Bolsonaro. A interpretação que faz o sociólogo Renato Sérgio de Lima, diretor presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (organização que reúne pesquisadores e policiais com a missão de debater a segurança no Brasil), é de que Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, "surfam na onda" da queda dos indicadores, produzida sobretudo por uma ação local dos Estados, e desperdiçam o protagonismo que poderia levar a ações inovadoras e estruturantes na área.
Os números apresentados pelo governo Jair Bolsonaro até agora mostram indicadores de criminalidade em queda no País. O que explica isso?
Quando olhamos para a tendência, percebemos que o Brasil desde 2015 vem em um processo de nacionalização da redução dos indicadores. De 2015 para 2016, das 27 unidades da federação, 9 já apresentavam queda nos homicídios; de 2016 para 2017, esse número passou para 15; e de 2017 para 2018, isso passou a ser visto em 24 unidades da federação. O que vimos para isso acontecer foi ação local impulsionada pelos governadores, com investimentos que há tempos não ocorriam. No Ceará, por exemplo, 10 mil policiais foram contratados. Estados do Nordeste, que estavam vivendo guerras abertas de facções, reverteram o problema. Então, a tendência de queda completou sua nacionalização em 2018 e se acentuou em 2019.
Há algo de positivo da gestão federal a ser destacado?
Bolsonaro fez desde a campanha aquilo que sempre falávamos que é uma das questões fundamentais para que a segurança tivesse um ciclo positivo: a Presidência da República assumir o discurso prioritário da segurança. E Bolsonaro falou sobre isso, o que não quer dizer que está fazendo da melhor forma. Mas assim ele vem se beneficiando de um momento de queda. O discurso do presidente, dizendo 'Eu vou resolver', conseguiu construir uma narrativa política onde ele se coloca como protagonista em uma área onde todos os outros presidentes se colocavam como coadjuvantes. O protagonismo é positivo porque mostra que é possível resolver o problema, que não é uma coisa insolúvel. Mas, por outro lado, o que ele está fazendo diante de todas essas condições favoráveis? Pouca coisa. Não há esforço de sistematizar o que está dando certo e o protagonismo termina por ser desperdiçado.
O governo destaca ações que tem implementado, como transferência de presos e o programa Em Frente, Brasil. Isso teria a capacidade de afetar dessa forma os indicadores?
No nível federal, houve uma sensibilização da Polícia Federal para a importância do combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro a ele conectado, além do programa Em Frente, Brasil, que tem o piloto ocorrendo em cinco cidades. As transferências de lideranças para penitenciárias federais também continuaram ocorrendo. Mas são ações pontuais e nenhuma delas tem a capacidade de reduzir em 20% a violência, mas elas alimentam a inflexão no sentimento de insegurança. A Força Nacional está agindo como sempre agiu, não tem mais dinheiro. O dinheiro está sendo de certa forma muito contingenciado, as taxas de ocupação prisional são as mesmas. As ações em si não têm a capacidade de explicar a queda, mas contribuem para falar que 'Olha, agora está acontecendo alguma coisa'. No fundo, o que o governo está fazendo é se beneficiar de ações que estavam sendo construídas nos últimos anos.
Diante das ações já demonstradas, o que pode se esperar para 2020 na área da segurança?
É preciso transformar o discurso em prática. Isso ocorre, por exemplo, com a liberação de dinheiro para os Estados, apoiando efetivamente as ações que vão fazer a diferença, como desenvolvimento de metas e indicadores e o fomento a uma maior integração nacional. O ano de 2020 deveria começar com descontingenciamento de recursos do Fundo Nacional da Segurança Pública para ser gasto naquilo que efetivamente tem dado certo. Tem de se identificar com mais clareza as razões que estão levando à queda dos indicadores para que eles continuem caindo. Do contrário, ficar só no discurso pode colocar tudo a perder. A mensagem que é chave para a população é: o governo está reduzindo a violência. O que não é exatamente o fato. O fato é teimoso porque a tendência veio se nacionalizando e se sabe muito pouco sobre todas as possibilidades explicativas. O governo soube explorar isso e está surfando na onda. Diante do poder de agenda de Bolsonaro, o desafio de se pensar segurança pública com cidadania será fugir das armadilhas narrativas. Precisamos investir em avaliações robustas e em análises qualificadas da realidade.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.