"Trata-se de um cidadão do bem e contribuiu de forma significativa para estabelecer o laço de amizade entre Brasil e China." A declaração, em papel timbrado, é da Associação Chinesa do Brasil sobre o vice-presidente, Zheng Xiao Yun, ou Marcos Zheng, que está preso sob a suspeita de liderar uma quadrilha presa com 15 mil testes de coronavírus e 2 milhões de equipamentos de prevenção roubados.
Ele já foi sequestrado, viu uma secretária morrer a tiros, e também se livrou de uma condenação por supostamente trazer relógios falsificados para o Brasil. De outro lado, intermediou encontros de banqueiros e empresários chineses no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, e também com outros políticos. Diz ter feito a ligação entre a área de Saúde do governo com hospitais e médicos de Wuhan - cidade chinesa onde a pandemia se originou - para troca de informações sobre a covid-19.
Seus guarda-costas são um policial militar e um sargento da reserva do Exército Brasileiro. Fortemente armados. Com eles, foram encontrados um fuzil e uma carabina .40. Ele diz que precisa de proteção, já que experimentou cinco dias em um cativeiro, foi roubado, e ainda escapou de uma emboscada a tiros.
Agora está em meio à investigação do desvio de uma carga de exames contra o novo coronavírus. Os testes, cujo lote bate com o de uma carga furtada no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, estavam no imóvel de Zheng, onde também funciona a Associação de Xangai no Brasil.
Presidida por ele, a entidade é seu cartão de visitas nos encontros que já promoveu entre empresários e políticos. Zheng alega nunca ter lidado com material de higiene, muito menos sem origem, e diz que seu negócio é com equipamentos de som. E, por meio da entidade, já promoveu a venda de produtos brasileiros pelo governo chinês, e também a remessa de itens de seu país de origem para "venda e doação no Brasil" - tudo com nota fiscal.
A versão, dada à Polícia Civil, não convenceu, e ele foi preso em flagrante. A Justiça decretou prisão por tempo indeterminado. A juíza que decretou a prisão preventiva vê "audácia" na atuação de Zheng e de outros 13 presos no sábado, com a venda de equipamentos roubados, que abasteceriam hospitais em um país à beira da superlotação em seu sistema de saúde.
A investigação
A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo obteve acesso exclusivo à investigação que levou à cadeia o grupo supostamente liderado por Zheng. Comparando o preço pago pela importadora e o pedido dos investigados pela carga, o lucro seria de 5.000% para o crime.
No dia 2, um voo da Qatar Airways chegou a Cumbica com 57 pacotes de testes rápidos importados da China por uma empresa contratada por hospitais. Tudo ficou armazenado no terminal de cargas internacionais e os volumes foram retirados para depósito de uma transportadora em Santana, na zona norte, quatro dias depois.
No dia 8, quando a carga passou por revisão, funcionários descobriram que 15 caixas de papelão haviam sido esvaziadas, e encaixadas na parte externa de outras 15, com os testes - provavelmente para encobrir o desvio de materiais. Para cada caixa, mil testes de coronavírus eram armazenados. Ou seja, 15 mil sumiram. A empresa estipula que o valor do material retirado seja de R$ 80 mil.
A Polícia Civil de São Paulo recebeu a informação de que os testes não só já teriam caído no mercado negro, como a venda teria sido oferecida à própria importadora. Titular da 3.ª Delegacia de Atendimento ao Turista, Luís Alberto Guerra recebeu informações de que a carga possivelmente havia sido transferida para o bairro do Ipiranga. Passando-se por um empresário nordestino, ele negociou com os criminosos. Eles pediam R$ 4 milhões - o valor acertado acabou em R$ 3 milhões. Em determinado momento, os policiais se identificaram e deram voz de prisão.
Em depoimento, Zheng negou o crime. Disse residir há 25 anos no Brasil e "desde sua chegada sempre desenvolveu e intermediou a relação entre o Brasil e a China". "Inclusive, sempre trouxe empresários chineses para realizar negócios neste país, bem como viajou com empresários brasileiros visando a estabelecer relações comerciais com aquele país".
Ainda ressaltou que em momento nenhum "participou de qualquer negociação envolvendo máscaras ou testes, nem direta, nem indiretamente, e que nas últimas semanas a associação tem se dedicado em colaborar com as autoridades brasileiras, já que contatou médicos chineses que combateram a covid, para que pudessem auxiliar o poder publico do Brasil'.
Acolhendo parecer do Ministério Público, a juíza Érika Fernandes Fortes impôs a prisão preventiva no domingo. O advogado de Zheng, Daniel Bialski, disse ter entrado com pedido de relaxamento da prisão e concessão da liberdade provisória. A polícia instaurou inquérito para prosseguir as investigações. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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