Já passava da 1h de segunda-feira, 13, quando um paciente diagnosticado com o novo coronavírus, foi entubado em um respirador artificial no Centro Médico Dr. Genésio Rego em São Luís, capital do Maranhão. O procedimento foi motivo de aplausos por parte de médicos e enfermeiros.
O equipamento, importado da China, havia chegado apenas quatro horas antes, sob chuva, no aeroporto Marechal Cunha Machado, em uma operação cinematográfica que incluiu uma parceria entre o governo do Maranhão e empresários locais, vigilância sobre os equipamentos desde a fábrica até o desembarque, desvios de rota para fugir dos governos dos EUA e, também, da Europa, aluguel de aviões e um drible na Receita Federal.
A operação de guerra foi montada depois de o governo maranhense ter sido atravessado três vezes em tentativas de comprar respiradores, uma delas pelo próprio governo federal, enquanto o sistema de saúde do Estado, um dos mais pobres do País, corria o risco de entrar em colapso nos próximos dias por falta de equipamentos.
Segundo o secretário estadual de Indústria e Comércio, Simplício Araújo, responsável pela operação, tudo começou com a mobilização de setores do empresariado local dispostos a colaborar no enfrentamento à pandemia.
De acordo com o secretário, o governo do Estado, sob o comando de Flávio Dino (PCdoB), enfrenta dificuldades financeiras para tomar as medidas necessárias. Os custos estimados para o combate ao coronavírus no Maranhão são de até R$ 800 milhões, incluindo gastos com saúde, assistência social, perda de receitas e renúncias fiscais. Mas até agora recebeu apenas R$ 56 milhões do governo federal.
Diante do quadro dramático, empresários locais se cotizaram e ofereceram ao governo estadual R$ 15 milhões em doações, que variaram de R$ 1 mil a R$ 1 milhão.
A terceira foi junto à Vyaire Medical, em São Paulo, no dia 1o de abril, mas a empresa respondeu que não poderia atender à encomenda porque o governo federal havia requisitado toda a produção de respiradores. Conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo no último domingo, o Ministério da Saúde passou a ser concorrente dos governos estaduais na compra de equipamentos médicos.
Com ajuda de amigos no outro lado do mundo, Araújo identificou uma fábrica "de confiança" na cidade de Foshan e encomendou 107 respiradores. Para evitar que os equipamentos fossem desviados ou vendidos a outro cliente, funcionários da Vale e do Grupo Mateus, uma rede local de supermercados que importa produtos da China, fizeram pessoalmente, dentro da indústria, a vigilância dos respiradores durante todo o processo de fabricação.
Além de arcar com os custos da aquisição, os empresários maranhenses tiveram papel decisivo na logística da operação. O governo calculou que se fosse cumprir todas as exigências legais e burocráticas demoraria três meses para adquirir os respiradores. Até lá, o sistema de saúde estadual entraria em colapso.
A saída foi direcionar parte do dinheiro das doações, R$ 6 milhões, direto para o Grupo Mateus, sem passar pelos cofres públicos. Com as credenciais de importadora, a empresa comprou os equipamentos diretamente da fabricante chinesa.
Para evitar desvios, os brasileiros fizeram a escolta dos respiradores no trajeto de 36 quilômetros que separa a fábrica, em Foshan, do aeroporto de Guangzhou, onde um avião cargueiro alugado pela Vale os aguardava.
Mesmo de posse dos equipamentos, o governo maranhense ainda temia que a carga fosse confiscada no meio do caminho. Havia a necessidade de uma parada para reabastecer o avião e foram descartadas escalas em Dubai (Emirados Árabes), EUA ou qualquer país da Europa. O ponto escolhido para o reabastecimento foi a Etiópia, de onde o cargueiro seguiu direto para o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
"Quando chegou em Guarulhos o desespero era muito grande. Em seis horas conseguimos embarcar tudo em um avião da Azul alugado pelo governo do Maranhão", relatou Araújo.
Ainda assim havia temor de que os respiradores fossem confiscados pelo governo federal. Foi então que os maranhenses deram um drible na Receita Federal. O primeiro lance foi garantir o sigilo sobre o conteúdo da carga. Para isso, optaram por cumprir os trâmites alfandegários somente em São Luís e não em Guarulhos.
Segundo funcionários do aeroporto Marechal Cunha Machado, quando finalmente o avião pousou com os 107 respiradores na capital maranhense, por volta das 21h, não havia funcionários da Receita em serviço. De acordo com as fontes do aeroporto, o motivo é a redução drástica de movimento no local que costumava receber 20 voos diários mas desde o início da pandemia tem apenas um ou dois desembarques por dia.
Uma comitiva do governo maranhense que incluía dezenas de homens da Polícia Militar, armados, e integrantes do primeiro escalão da administração estadual aguardava a chegada da carga. Para liberar os equipamentos, o secretário Araújo assinou um documento se comprometendo a voltar no dia seguinte para cumprir as exigências legais, o que de fato foi feito.
Quatro horas depois do desembarque, o primeiro paciente foi entubado. Agora o governo do Maranhão aguarda outros 80 respiradores comprados em mais uma operação de guerra mas para evitar surpresas, a rota foi alterada.
"Da mesma forma que fizemos em São Paulo, tivemos que passar a mercadoria aqui em São Luís sem despertar a atenção da Receita Federal. Não posso dar mais detalhes porque estamos trazendo outra carga. Não queremos nos vangloriar por este drible. O que a gente gostaria é que o governo federal declare que não vai interferir nas nossas aquisições. Um Estado pobre como o Maranhão não pode ser tungado depois de todo esse esforço que estamos fazendo. Precisamos de mais respiradores¨, disse o secretário.
Com 630 casos confirmados de coronavírus, o Maranhão tem 60% dos leitos em UTI ocupados. A previsão do governo é que, sem os novos respiradores, as vagas estariam esgotadas na semana que vem.
O equipamento, importado da China, havia chegado apenas quatro horas antes, sob chuva, no aeroporto Marechal Cunha Machado, em uma operação cinematográfica que incluiu uma parceria entre o governo do Maranhão e empresários locais, vigilância sobre os equipamentos desde a fábrica até o desembarque, desvios de rota para fugir dos governos dos EUA e, também, da Europa, aluguel de aviões e um drible na Receita Federal.
A operação de guerra foi montada depois de o governo maranhense ter sido atravessado três vezes em tentativas de comprar respiradores, uma delas pelo próprio governo federal, enquanto o sistema de saúde do Estado, um dos mais pobres do País, corria o risco de entrar em colapso nos próximos dias por falta de equipamentos.
Segundo o secretário estadual de Indústria e Comércio, Simplício Araújo, responsável pela operação, tudo começou com a mobilização de setores do empresariado local dispostos a colaborar no enfrentamento à pandemia.
De acordo com o secretário, o governo do Estado, sob o comando de Flávio Dino (PCdoB), enfrenta dificuldades financeiras para tomar as medidas necessárias. Os custos estimados para o combate ao coronavírus no Maranhão são de até R$ 800 milhões, incluindo gastos com saúde, assistência social, perda de receitas e renúncias fiscais. Mas até agora recebeu apenas R$ 56 milhões do governo federal.
Diante do quadro dramático, empresários locais se cotizaram e ofereceram ao governo estadual R$ 15 milhões em doações, que variaram de R$ 1 mil a R$ 1 milhão.
Tentativas anteriores
Mesmo assim, o governo não conseguia comprar os respiradores. Na primeira tentativa, os EUA atravessaram o negócio, ofereceram mais dinheiro e ficaram com os equipamentos encomendados em uma fábrica na China. Na segunda tentativa, a Alemanha "superou" o governo maranhense.A terceira foi junto à Vyaire Medical, em São Paulo, no dia 1o de abril, mas a empresa respondeu que não poderia atender à encomenda porque o governo federal havia requisitado toda a produção de respiradores. Conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo no último domingo, o Ministério da Saúde passou a ser concorrente dos governos estaduais na compra de equipamentos médicos.
Respiradores vindos da China
O secretário passou, então, a se valer das boas relações construídas na China, maior fabricante mundial dos equipamentos, ao longo de diversas viagens ao país oriental nas quais acompanhou empresários maranhenses em rodadas de negócios.Com ajuda de amigos no outro lado do mundo, Araújo identificou uma fábrica "de confiança" na cidade de Foshan e encomendou 107 respiradores. Para evitar que os equipamentos fossem desviados ou vendidos a outro cliente, funcionários da Vale e do Grupo Mateus, uma rede local de supermercados que importa produtos da China, fizeram pessoalmente, dentro da indústria, a vigilância dos respiradores durante todo o processo de fabricação.
Além de arcar com os custos da aquisição, os empresários maranhenses tiveram papel decisivo na logística da operação. O governo calculou que se fosse cumprir todas as exigências legais e burocráticas demoraria três meses para adquirir os respiradores. Até lá, o sistema de saúde estadual entraria em colapso.
A saída foi direcionar parte do dinheiro das doações, R$ 6 milhões, direto para o Grupo Mateus, sem passar pelos cofres públicos. Com as credenciais de importadora, a empresa comprou os equipamentos diretamente da fabricante chinesa.
Para evitar desvios, os brasileiros fizeram a escolta dos respiradores no trajeto de 36 quilômetros que separa a fábrica, em Foshan, do aeroporto de Guangzhou, onde um avião cargueiro alugado pela Vale os aguardava.
Mesmo de posse dos equipamentos, o governo maranhense ainda temia que a carga fosse confiscada no meio do caminho. Havia a necessidade de uma parada para reabastecer o avião e foram descartadas escalas em Dubai (Emirados Árabes), EUA ou qualquer país da Europa. O ponto escolhido para o reabastecimento foi a Etiópia, de onde o cargueiro seguiu direto para o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
"Quando chegou em Guarulhos o desespero era muito grande. Em seis horas conseguimos embarcar tudo em um avião da Azul alugado pelo governo do Maranhão", relatou Araújo.
Ainda assim havia temor de que os respiradores fossem confiscados pelo governo federal. Foi então que os maranhenses deram um drible na Receita Federal. O primeiro lance foi garantir o sigilo sobre o conteúdo da carga. Para isso, optaram por cumprir os trâmites alfandegários somente em São Luís e não em Guarulhos.
Segundo funcionários do aeroporto Marechal Cunha Machado, quando finalmente o avião pousou com os 107 respiradores na capital maranhense, por volta das 21h, não havia funcionários da Receita em serviço. De acordo com as fontes do aeroporto, o motivo é a redução drástica de movimento no local que costumava receber 20 voos diários mas desde o início da pandemia tem apenas um ou dois desembarques por dia.
Uma comitiva do governo maranhense que incluía dezenas de homens da Polícia Militar, armados, e integrantes do primeiro escalão da administração estadual aguardava a chegada da carga. Para liberar os equipamentos, o secretário Araújo assinou um documento se comprometendo a voltar no dia seguinte para cumprir as exigências legais, o que de fato foi feito.
Quatro horas depois do desembarque, o primeiro paciente foi entubado. Agora o governo do Maranhão aguarda outros 80 respiradores comprados em mais uma operação de guerra mas para evitar surpresas, a rota foi alterada.
"Da mesma forma que fizemos em São Paulo, tivemos que passar a mercadoria aqui em São Luís sem despertar a atenção da Receita Federal. Não posso dar mais detalhes porque estamos trazendo outra carga. Não queremos nos vangloriar por este drible. O que a gente gostaria é que o governo federal declare que não vai interferir nas nossas aquisições. Um Estado pobre como o Maranhão não pode ser tungado depois de todo esse esforço que estamos fazendo. Precisamos de mais respiradores¨, disse o secretário.
Com 630 casos confirmados de coronavírus, o Maranhão tem 60% dos leitos em UTI ocupados. A previsão do governo é que, sem os novos respiradores, as vagas estariam esgotadas na semana que vem.