Em menos de um mês, o Amazonas entrou na lista de emergência do Ministério da Saúde. Era apenas um caso confirmado de coronavírus, agora são 2.749 e 207 mortes, segundo a Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM). No fim de semana, as imagens do maior cemitério de Manaus abrindo valas comuns e recebendo câmaras frigoríficas chocaram os brasileiros. Estão em isolamento 1.170 pessoas com diagnóstico de COVID-19, 51,5% dos casos confirmados no Amazonas. De terça a quarta-feira, mais 91 pessoas se recuperaram da doença, totalizando agora 726 recuperados. Dos 2.270 casos confirmados no estado, 1.809 são de Manaus e 461 do interior do estado.
A reportagem do Estado de Minas checou vários fatos que contribuíram para o colapso na saúde do estado. Durante o fim de semana, dezenas de covas foram abertas no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, no Bairro Tarumã, em Manaus, para suprir a demanda de corpos. O índice de letalidade chega a 8,5%, dois pontos percentuais acima da média nacional. Um vídeo publicado no Twitter mostra o procedimento adotado pelos coveiros. Dez caixões são colocados lado a lado em cova e cobertos por terra. Para preservar os corpos que ainda não puderam ser enterrados, a prefeitura instalou câmaras frigoríficas nos cemitérios. Segundo a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana da cidade, 656 corpos foram sepulados entre os dias 12 e 19.
A saúde pública amazonense tem 118 leitos de UTI. Na sexta-feira, o governador Wilson Lima (PSC) disse que todos estavam ocupados. O prefeito de Manaus, Arthur Virgílio (PSDB), afirmou que o caso não é de emergência, é de absoluta calamidade pública. “Estamos chegando no ponto muito doloroso, ao qual não precisaríamos ter chegado se tivéssemos praticado a horizontalidade da quarentena, no qual o médico terá que se fazer a pergunta: salvo o jovem ou o velho? ", disse.
Manacapuru, na região metropolitana, é a mais infectada. De 100 casos confirmados no último dia 14, os registros subiram para mais de 218, alta de 118%. Já são 11 mortes. Com 97,3 mil habitantes, a incidência de casos é de 206,4 para cada 100 mil habitantes, quase 10 vezes o índice nacional, e de 11,2 mortes para cada 100 mil). Os índices colocam a cidade em 2º lugar no ranking nacional de incidência de casos, atrás apenas de Fernando de Noronha.
Um vídeo que circulou nas redes sociais na última semana mostra 14 corpos com suspeita de coronavírus ao lado de pacientes internados em sala do Hospital Pronto Socorro João Lúcio, Leste de Manaus. Depois que as imagens foram divulgadas, a Secretaria de Saúde providenciou contêiner frigorífico para armazenar os corpos. Segundo o governo, não há espaço na unidade para guardar os corpos, por isso foi contratado o contêiner.
Outro problema no estado é a troca de servidores na Secretaria de Saúde. No oitavo dia do mês, o secretário Rodrigo Tobias deixou a chefia da pasta e foi substituído pela biomédica Simone Papariz, o que desagradou a deputados. Oito deles, incluindo o presidente da Assembleia Legislativa), Josué Neto, assinaram requerimento que será enviado ao presidente Bolsonaro pedindo intervenção federal na Saúde do Amazonas. O requerimento foi aprovado na segunda-feira. No documento, os parlamentares citam o aumento de casos confirmados de COVID-19 no Amazonas, o “colapso” e a “má-gestão do sistema de saúde” e a recusa da secretária de Saúde, Simone Papaiz, para prestar esclarecimentos aos deputados.
Entrevista/GUILHERME PIVOTO
Presidente da Associação Amazonense de Infectologia
“Escassez de leito e excesso de pacientes”
O médico do Hospital Universitário Getúlio Vargas, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Guilherme Augusto Pivoto João, contou ao EM a real situação no Amazonas. Ele é intensivista e supervisor do programa de residência médica em medicina tropical da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado.
O que provocou o colapso do sistema de saúde no Amazonas?
Houve um planejamento para fazer vigilância dos casos quando não existia transmissão comunitária. Depois foi preciso testar as pessoas para mantê-las isoladas, houve escassez de exame e a vigilância ficou ineficaz. O sistema já trabalhava em limite máximo, com poucos leitos. Houve abertura de unidade específica para esses doentes para atender e dar assistência. Mas faltou ventilador mecânico, médico e equipe.
Quais as medidas emergenciais a serem tomadas?
Ter mais leitos de UTI porque os pacientes acabam falecendo em atendimento primário, na UPA e na ambulância, por não ter vaga.
Algum fator para tantos casos no Amazonas?
A latitude é importante e aqui é período de chuvas, o que faz as pessoas se aglomerarem mais. É comum nessa época do ano as infecções respiratórias serem mais altas. O que somou com a baixa quantidade de testagem, que dificultou a vigilância e o baixo número de leitos, fazendo assim, uma combinação perfeita para o colapso.
Qual a real situação de Manaus?
Por dia está morrendo a quantidade de pessoas que morriam por meses. A maior parte dos hospitais se dedica à COVID-19. A incidência é muito maior do que a vigilância consegue detectar. As pessoas estão morrendo muito antes de chegar até a gente, em frente aos hospitais e UPAS.
Qual a sua mensagem para outros estados?
Não tenham medo de se preparar, criar unidades, leitos, equipes. Mais cedo ou mais tarde o sistema vai entrar em colapso.
* Estagiária sob supervisão de Paulo Nogueira