Jornal Estado de Minas

COVID-19

COVID-19: Infectologista diz que Ceará está perto do pico de casos da doença

Com o isolamento social sob ataque, em um momento em que a população começa a demonstrar sinais de cansaço e tédio, as próximas duas semanas serão decisivas para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2), principalmente no Ceará. “A projeção que nós fazemos é que devemos estar chegando perto do pico de casos da COVID-19, baseado no volume de pacientes que atendemos nos últimos dias. Esse pico deve permanecer elevado durante um período de duas a quatro semanas. Nessa perspectiva, nós (profissionais da saúde) entendemos que as medidas de distanciamento social não devem ser relaxadas”.



 

A avaliação é do médico infectologista Guilherme Henn, presidente da Sociedade Cearense de Infectologia (SCI), fundada em 1980 e que tem como objetivo a dedicação à prevenção, ao diagnóstico, ao tratamento e à cura de doenças infecciosas. Para Henn, é importante acompanhar a manifestação do novo coronavírus mesmo nas pessoas que foram infectadas e curadas, pois “existe uma suspeita de que uma pequena parte das pessoas infectadas não desenvolvem o nível suficiente de anticorpos protetores e, em tese, poderiam se infectar por uma segunda vez”, disse Guilherme Henn em entrevista ao Estado de Minas. Ele falou sobre a situação da pandemia no estado.

 

O Ceará é o terceiro estado brasileiro com maior número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus. De acordo com o balanço divulgado pela plataforma IntegraSUS, nesse sábado (25), foram registrados 5.320 casos que testaram positivo para a doença e 298 óbitos confirmados pela Secretaria da Saúde do Estado do Ceará.

 

Ainda de acordo com os números apresentados no balanço, são 17.320 casos suspeitos e foram realizados 20.060 testes nos hospitais cearenses. A doença já atingiu 126 das 184 cidades do estado e possui taxa de letalidade de 5,6% em todo o território.



 

O que levou o Ceará a ocupar o terceiro lugar no ranking de casos de infecções (5.320) e de mortes (298)?

 

"Os números altos de casos do Ceará são justificáveis por dois fatores que pesam, cada um da sua maneira. O primeiro deles foi devido ao estado ter um início bem complicado. Houve uma explosão de número de infectados muito rapidamente, porque uma quantidade grande de pessoas voltou de um evento em Trancoso, Porto Seguro, na Bahia, e logo na sequência, foi confirmado que todas estavam com coronavírus. Isso facilitou a disseminação do vírus para as pessoas mais próximas como os familiares e conhecidos. Esse fato ocorreu em um momento em que ninguém estava fazendo o isolamento social, as pessoas que apresentavam sintomas continuaram trabalhando e por isso houve essa disseminação rápida, principalmente entre as classes mais altas. Outro motivo foi que, desde o princípio da pandemia no Brasil, a Secretaria de Saúde do Ceará testou o máximo de casos possíveis. Enquanto muitos estados do país testam apenas casos graves, o Ceará testa, além dos casos graves, os e leves em pessoas que têm fatores de risco, hipertensão, diabetes, imunodepressão e entre outros. Nós temos uma quantidade de notificações de casos muito alta em relação a outros estados".

 

O isolamento social está sendo realmente cumprido no estado? Como você avalia as medidas emergenciais de saúde do Ceará?

 

"No primeiro momento, quando houve a determinação pelo governador Camilo Santana de fazer as medidas de distanciamento social e o fechamento do comércio, houve uma adesão bem grande. Mas com o passar das semanas, como a exemplo do que tem acontecido em outros estados, as pessoas estão aderindo cada vez menos. As medidas permanecem e não existem neste momento alguma possibilidade de relaxamento por parte do governo do estado. Mas o que temos visto neste momento é um número maior de pessoas na rua e isso provavelmente justifica um aumento considerável na quantidade de casos, especialmente nas últimas duas semanas. Nós que trabalhamos na área da saúde temos visto um crescimento bastante significativo do número de pacientes que procuram os serviços de emergência com sintomas de infecções respiratórias".

 

Qual a projeção do período mais crítico da doença no estado? 

 

"A projeção que nós fazemos é que devemos estar perto do pico de casos da COVID-19, baseado no volume de pacientes que atendemos nos últimos dias. Esse pico deve permanecer elevado durante um período entre duas e quatro semanas. Nessa perspectiva, nós (profissionais da saúde) entendemos que as medidas de distanciamento social não deveriam ser relaxadas, embora nós também compreendemos que a situação das pessoas, especialmente as autônomas que não possuem renda fixa, fica bastante complicada à medida que o tempo passa. Mas se olharmos só pelo ponto de vista da saúde, infelizmente as medidas de isolamento devem permanecer como essenciais para reduzir o número de óbitos no curto prazo".



 

O que tem feito a Sociedade Cearense de Infectologia (SCI) para ajudar no combate ao coronavírus?

 

"A Sociedade Cearense de Infectologia (SCI), enquanto federada local pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), é responsável por transmitir os protocolos clínicos das principais sociedades científicas brasileiras e mundiais entre a comunidade médica do Ceará. Essa transmissão se dá tanto pelos infectologistas como entre os intensivistas e os clínicos que atendem nas emergências. A SBI tem os protocolos que a gente ratifica e repassa. Além disso, temos feito um trabalho bastante próximo com a imprensa, principalmente a local, de forma a transmitir informações tanto em níveis de educação e saúde para a população, como para discutir também pontos essenciais de controle, situação e de previsões, em relação ao distanciamento social e detalhes clínicos da doença".

 

Existe algum estudo sobre a reincidência do novo coronavírus? Caso uma pessoa tenha o vírus novamente, estará imunizada?

 

"Ninguém sabe o comportamento do coronavírus em relação a uma possível reinfecção. Dentre as poucas evidências que nós temos até agora, fazemos uma projeção de que a grande maioria que já infectada, não estará propensa a ser contagiada novamente. Elas provavelmente devem desenvolver a imunidade que chamamos de ‘lifelong’, ou seja, imunidade para a vida toda. Mas existe uma suspeita de que uma pequena parte das pessoas infectadas não desenvolvem o nível suficiente de anticorpos protetores e, em tese, poderiam se infectar por uma segunda vez. Essa segunda contaminação, se acontecer, ainda não sabemos o potencial de gravidade delas. Não há nada sobre isso ainda".

 

Você concorda com os estudos realizados nos EUA sobre a não utilização da cloroquina no tratamento de pacientes infectados pela COVID-19?

 

"Existem muitos estudos já publicados, embora quase a totalidade deles seja de estudos pequenos, com sérios problemas metodológicos que talvez impeçam uma análise mais aprofundada, mas que infelizmente não existe nada que corrobora com o uso da cloroquina nesse momento. Cada dia que vemos um novo estudo saindo, cada vez com um número maior de pacientes, nós temos uma aproximação um pouco maior com a impressão de que ela tem pouco ou quase nenhum efeito no tratamento de pacientes infectados. Eu já vi dezenas de pacientes usando a cloroquina nos hospitais em que trabalho e minha impressão é de que ela não está fazendo diferença nenhuma".



 

Decreto prorrogado

O governador do Ceará, Camilo Santana, anunciou, no domingo (19), que o decreto de isolamento social que proíbe o funcionamento de serviços considerados não essenciais será estendido. O novo prazo termina no próximo dia 5 de maio. Esta é a terceira vez que o governo adia o fim do decreto para diminuir a transmissão da COVID-19. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE).

 

“Informo aos cearenses que estou prorrogando por mais 15 dias o decreto estadual que trata do enfrentamento ao coronavírus no Ceará, mantendo as restrições dos decretos anteriores, e reforçando medidas de proteção nos serviços essenciais que já funcionam, como bancos, lotéricas, supermercados e farmácias", comunicou.

 

Hospitais

O governador Camilo Santana também anunciou na terça-feira (21), durante transmissão ao vivo nas redes sociais, que o governo do Ceará abriu em um mês 306 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) exclusivos para atender pacientes infectados pelo coronavírus. A maioria dos leitos foi instalada em Fortaleza e na Região Metropolitana, mas há novas unidades em Juazeiro do Norte, Iguatu, Sobral, Quixeramobim, Maracanaú, Caucaia, Itapipoca e Crateús.



 

“Nós já implantamos mais de 300 novas UTIs no sistema público estadual de saúde. Estávamos chegando no limite da capacidade, principalmente em Fortaleza, onde concentra a maioria dos casos, e nos últimos cinco dias implantamos 53 novos leitos. Hoje, amanhecemos o dia com 75% de ocupação dos leitos de UTI aqui na capital e já estamos com uma perspectiva de implantar mais 16 leitos amanhã em Fortaleza e 14 no interior”, comentou o governador.

 

Equipamentos

A Secretaria de Governo do governo federal manteve conversas com a Embaixada, Consulado chinês aqui no Brasil, e com o governador Camilo Santana para viabilizar a chegada de equipamentos já adquiridos no país oriental.

 

“Temos feito um esforço diário para ampliar a rede de atendimento de saúde pública para a população nesse enfrentamento à COVID-19. Essa conversa que tivemos é para que a gente possa trazer a remessa de respiradores comprados pelo Governo do Estado, que vai nos permitir ampliar ainda mais as nossas unidades de terapia intensiva. O Ceará comprou 700 respiradores à China e já pagamos. Há uma disputa internacional por esses respiradores e aqui a gente tem feito essa articulação com o objetivo de estruturar a rede de saúde pública do Ceará” reforçou.



 

Outras ações

Como medidas de acompanhamento e enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), por meio da Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins Rodrigues (ESP/CE) tem ampliado as estratégias para capacitar os profissionais de saúde. Entre março e abril, a instituição capacitou mais de mil trabalhadores em todo o estado. Foram realizados treinamentos de habilidades, simulações realísticas, webconferências e divulgação de vídeos educativos.

 

As capacitações ocorrem tanto em Fortaleza quanto no interior do Ceará. O projeto tem como objetivo proporcionar, de forma interativa, a abordagem de temas como paramentação e desparamentação de Equipamento de Proteção Individual (EPI), preparo e montagem de sistema fechado de pré-oxigenação à intubação orotraqueal e procedimento de intubação orotraqueal. A iniciativa visa capacitar mais de mil profissionais de saúde.

 

Em Fortaleza, até o momento, receberam preparação profissionais de saúde do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), Hospitais Distritais Gonzaguinhas e Hospital Leonardo da Vinci, unidade requerida pelo Governo do Estado para o atendimento de casos de coronavírus.

 

* Estagiário sob supervisão do subeditor Marcílio de Moraes