A pesquisa revela que as mulheres são mais propensas a sofrer com ansiedade e depressão durante a epidemia, em especial as que continuam trabalhando, porque se sentem ainda mais sobrecarregadas acumulando tarefas domésticas e cuidados com os filhos em casa. Outros fatores de risco são a alimentação desregrada, doenças preexistentes e a necessidade de sair de casa para trabalhar.
Depressão
No caso da depressão, as principais causas são a idade avançada, o baixo nível de escolaridade e a o medo de passar a infecção para pessoas mais vulneráveis. "A presença de um idoso em casa, que são as pessoas mais vulneráveis e que têm maior porcentual de letalidade, cria um nível de estresse aumentado, pelo temor de passar o vírus", exemplificou.
Entre os dias 20 de março e 20 de abril, 1.460 pessoas de 23 estados responderam a um questionário online com mais de 200 perguntas. O trabalho é coordenado por Filgueiras com Matthew Stults-Kolehmainen, do Hospital Yale New Haven, nos EUA. Segundo Filgueiras, os resultados sugerem um agravamento preocupante da situação desde o início da epidemia.
O percentual de pessoas que relataram sintomas de estresse agudo na primeira etapa da coleta de dados (entre 20 e 25 de março) foi de 6,9% para 9,7% na segunda rodada (de 15 a 20 de abril). Entre os casos de depressão, o salto foi de 4,2% para 8%. A crise aguda de ansiedade pulou de 8,7% para 14,9%.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), os porcentuais médios esperados desses problemas na população são: estresse, 8,5%; ansiedade, 7,9%; depressão, 3,9%;
De acordo com a pesquisa, quem recorreu à terapia online e praticou exercícios físicos apresentou índices menores de estresse e ansiedade. Da mesma forma, aqueles que puderam continuar praticando exercícios aeróbicos tiveram melhor desempenho do que os sedentários ou e os que praticaram exercícios de força.
Mas Filgueiras faz um alerta porque a pressão social para se exercitar, por exemplo, pode acabar impondo ainda mais estresse às pessoas. "Respeite seu estilo de vida e limites."
Curiosamente, um fator que se revelou protetor é a presença de crianças. "Isso foi surpreendente, porque de certa forma esperávamos que fosse um fator estressor ter as crianças confinadas", disse. "Por outro lado, como pai de um menino de 4 anos que está tocando o terror em casa, digo que estaria mais estressado se ele estivesse na escola e eu não soubesse em que condições."
Profissionais de Saúde
O médico Moacyr Silva Junior é responsável pelo controle de infecção no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. É quem planeja a paramentação dos médicos, quais proteções devem ser usadas no centro cirúrgico, a melhor maneira de prevenir e lidar com uma doença. Quando o coronavírus virou pandemia, ele se viu no olho do furacão.
As notícias que chegavam da China e da Itália, principalmente, mostravam médicos infectados por pacientes, enfermeiros afastados após contágio, o sistema de saúde em colapso. No trabalho, a demanda de tarefas para o infectologista aumentava em escala industrial, com agravante de não haver perspectiva de como combater a covid-19. Moacyr perdeu o sono e passou a ter sintomas de ansiedade. "Estava com medo de morrer, medo de a minha mulher, que também é médica e trabalha em pronto-socorro, morrer, medo de não poder cuidar da nossa filha de 8 anos."
Médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, Pedro Fukuti conta que o sintoma de ansiedade é o mais comum a ser enfrentado por profissionais da saúde nesta pandemia. "São mais ou menos 60% dos casos que atendemos nas últimas semanas. Corresponde à preocupação com a família, preocupação em se contaminar, as escolhas que eventualmente terá de fazer. Os demais casos estão ligados à depressão, como tristeza, falta de motivação, sono excessivo..."
Fukuti coordena no HC o núcleo para cuidar da saúde mental dos funcionários. O Hospital Albert Einstein e o Sírio Libanês criaram programas semelhantes. Psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais ficam disponíveis para realizar pré-atendimento remoto - por telefone, WhatsApp ou chat - presencial, por meio de conversas em grupo, e ainda atendimento individual, se necessário.
"A intenção é evitar que médicos, enfermeiros e outros profissionais sejam afastados. A preocupação está em evitar o afastamento por qualquer transtorno mental e com isso evitar a sobrecarga de quem está trabalhando", explica Fukuti.
Conversas
As rodas de conversas dentro dos departamentos nos hospitais, coordenadas por psicólogos, têm se mostrado o método mais efetivo para evitar o agravamento da saúde mental dos profissionais. "A maioria dos casos a gente resolve nas conversas. De mil pessoas que atendemos, não chega a dez os que são encaminhados para terapia", diz Raquel Conceição, responsável pelo programa Ouvid, do Einstein, de auxílio psicológico aos funcionários.
A psicóloga Daniela Achette, do programa de cuidados paliativos do Hospital Sírio Libanês, reforça. "Ouvir o outro, a sensação de pertencimento, de corresponsabilidade, é fundamental. São nessas conversas que se sente a importância pelo cuidado também do colega."
Moacyr não precisou de atendimento individual pessoal. "Ter alguém para te ouvir é fundamental. É bom saber que não estamos sozinhos. No meu setor, temos reuniões duas vezes por semana para conversar, falar o que está sendo difícil, entender melhor como estamos sendo vistos. É importante porque, antes da covid, a gente tinha conversas mais descontraídas. Agora é praticamente só sobre a parte técnica da doença."
Ele diz que do início da pandemia para cá a situação melhorou na rede particular, mas está à beira do colapso na pública. "As pessoas estão mais racionais frente ao covid. Não é mais enfrentar o desconhecido. Na parte pública, a gente percebe que está quase um colapso. A gente tem pacientes que não estão conseguindo vagas nas UTIs, precisam ficar na emergência."
Formado há dois anos em Medicina, Lucas Gonçalves está no segundo ano de residência em psiquiatria no Hospital das Clínicas. Ele é um dos responsáveis por fazer o pré-atendimento remoto. "Estabelecer vínculo via internet é um desafio. Mas estamos nos acostumando. É um pouco mais difícil para ter empatia. Do outro lado a pessoa tem de estar em um ambiente físico confortável, longe de outras pessoas, para que consiga falar o que sente e isso muitas vezes não acontece pela correria do dia a dia."
Rotina
A enfermeira Priscila Srancescucci Moleiro trabalha há seis anos no Sírio e na conversa com assistentes sociais descobriu algumas maneiras de controlar o estresse do dia a dia. "Aconselharam a gente a criar um ritual para esquecer os problemas ligados ao trabalho. Há vídeos que nos passam que ensinam técnicas de meditação."
Priscila trabalha de domingo a domingo em turno de seis horas, na parte da manhã, com uma folga semanal. Quando chega em casa, toma um banho e vai brincar com o filho. Depois, aproveita para cozinhar, um dos seus hobbies favoritos. "É com essa rotina que desligo. Tenho evitado ver noticiário o tempo inteiro. Assisto ao jornal somente à noite."
O tempo também ajudou a controlar a ansiedade desses profissionais. Moacyr notou que o equipamento utilizado pelos médicos em seu hospital estava sendo efetivo. Priscila também percebeu que no Sírio há poucos casos de enfermeiros infectados. No Hospital das Clínicas há uma tensão com a escassez de equipamento médico.
Fukuti vê o combate ao novo coronavírus como uma guerra. "Todos sofrem, mas quem mais sofre são os soldados da guerra, que são os funcionários do setor de saúde. Então é importante cuidar deles direito. Sem eles, estamos perdidos."
Para Moacyr, o Brasil segue um período de incertezas. "Incerteza na redução do número de casos, se há um tratamento adequado, quando voltaremos a rever nossos pais ou avós, quando nossos filhos vão voltar à escola. Neste momento, o melhor a fazer é mudar de planeta porque o cenário futuro contínua incerto e imprevisível."